Sem surpresa, Maura Martins começa, na descrição das reportagens, pelo choque, “o embate entre as múltiplas versões  –  tal como o confronto entre a fala dos advogados, que proferem as defesas protocolares dos clientes, e a cara (de pau?) destes próprios clientes, que chegam sorrindo na delegacia e acenam, meio infantis, para as câmaras de televisão”. 

Sublinha, depois, outro “embate”:

“(...) Enquanto os advogados, todos homens, falam à imprensa na delegacia, embecados em seus ternos elegantes, a advogada da menina é simples, veste camiseta, e parece falar directo da favela. Sua performance para a câmara parece, em si mesma, resistência – ela busca respeito à força, por meio da gravidade do que diz e não pela forma em que se exibe. Quando ela fala, denuncia a pouca sensibilidade dos colegas (em especial, do delegado) no tratamento do caso.”

E reflecte sobre a exploração do horror na cobertura jornalística: “Certamente após muito trabalho de convencimento e persuasão (contradizendo, por um lado, a postura de protecção da advogada da menina), a adolescente fala ‘com exclusividade’ para as emissoras, que correm atrás da versão mais esperada de todas. O que ela pode afinal dizer que vá nos levar a uma maior compreensão do facto?”  (...)

 

 

Alexandre Marini chama a atenção para a atitude interiorizada de desumanização da mulher que se vulgarizou na cultura corrente:

 “A mulher tem o seu corpo utilizado das mais diversas formas, inclusive na imposição do acto sexual. Nós as desumanizamos para tê-las e usá-las. Fazemos isso há tanto tempo que é comum ouvirmos discursos de que sempre foi assim, agarrando-se a isso grande parte do movimento conservador (mas não só).”

Sublinha a responsabilidade dos meios de comunicação:

“Os diferentes media, da televisão ao cinema, dos quadrinhos às revistas semanais, também perpetuam a ideia de que mulher é objecto e é admirada como tal. Os veículos jornalísticos, de maneira geral, comumente atuam como reforçadores dessa objectificação, mesmo que de forma dissimulada.” 

E conclui:

“As mulheres não podem ser objecto/propriedade e cidadãs plenas de direitos ao mesmo tempo. Será que veremos o dia em que a sociedade como um todo deixará de consumir produtos fruto do trabalho escravo de crianças e adultos, homens e mulheres, assim como deixaremos um dia de comprar ou acompanhar jornais e revistas que insistem em colocar em suas páginas, dissimuladas ou não em suas propagandas, manchetes e classificados, a cultura do estupro?”

 

O artigo de Maura Martins, e o de Alexandre Marini, no Observatório da Imprensa do Brasil