Quando os “jornalistas-bombeiros” só aparecem depois de ouvirem a sirene
O autor recorda que os jornalistas “gostam de dizer que uma das suas missões é fiscalizar o poder público, e é mesmo, mas quem fiscaliza o poder privado num país que quer privatizar tudo?”
“É muito fácil denunciar maracutaias [tramóias] nos podres poderes públicos, mas essas só existem graças ao conluio, desde sempre, com os podres poderes privados, no troca-troca de interesses movido por propinas dos dois lados do balcão. Assim se mudam leis, decretos, protocolos, regras de licenciamento, normas de transparência, ao gosto do freguês e do poder de plantão.”
“Crimes ambientais, sociais e económicos, como os de Mariana e Brumadinho, acontecem porque reina a impunidade dos poderosos, públicos ou privados.” (...)
Ricardo Kotscho acrescenta que “em outros tempos, havia repórteres viajando permanentemente pelo país para mostrar o que acontecia nas grandes obras da época do milagre brasileiro dos militares, e mostrar as possíveis consequências para o meio ambiente e as populações locais”.
“Sob a direção do jornalista Raul Martins Bastos, o Estadão da minha época tinha a maior rede de sucursais e correspondentes do país, presente em todas as regiões, antecipando e denunciando problemas que poderiam provocar tragédias. E, aonde não tinha, mandava repórteres da sede para lá, sem limites de gastos nem de tempo.”
“Isso acabou. Hoje, só a Rede Globo mantem repórteres baseados em todo o território nacional, mas eles também só chegam junto com os bombeiros quando a sirene toca.”
“Meio ambiente só vira notícia quando há muitos mortos e aí aparecem todos os especialistas do mundo para explicar o que aconteceu.”
O autor menciona outros exemplos e afirma que só não faz o mesmo agora porque “já não tenho mais pernas para isso”:
“Fazer reportagens exige longas, custosas e cansativas viagens, não dá para fazer por telefone ou por e-mail, como agora é rotina em muitas redacções. Tem que ir lá, andar bastante, conversar com muita gente, enfrentar estradas que são verdadeiras armadilhas, ficar sem comer e dormir, correr riscos, arrostar autoridades de todos os tamanhos, e já não tenho mais idade nem saúde para isso.” (...)
“Nada acontece por acaso. Nós, jornalistas, também temos responsabilidade nisso. Não podemos esperar a sirene tocar.”
O artigo aqui citado, na íntegra no Observatório da Imprensa