Os autores sublinham que, por bonapartista, “não devemos entender necessariamente um ditador, ou um fascista descarado”:

“Um chefe que não respeita os freios e contrapesos que são constitutivos do Estado moderno e que é eficaz em fazer valer sua vontade acima das instituições já preenche os requisitos para o qualificativo. No século 20, o fascismo teria sido um dos vários exemplos de bonapartismo se não tivesse extrapolado para o totalitarismo ditatorial.” (...) 

“Sempre que um dirigente, entronizado no aparelho do Executivo, desenvolve acções para se impor ao arrepio dos ritos habituais da democracia, é comum que se diga que nele se manifestam elementos bonapartistas. Podemos ver isso em Hugo Chávez ou em Donald Trump, apesar das enormes diferenças que os separam. Há aspectos de bonapartismo em Daniel Ortega, na Nicarágua, e em Vladimir Putin, na Rússia.” (...) 

Eugênio Bucci e Carlos Lins da Silva sublinham este aspecto de fusão entre as linhas de comando e de comunicação: 

“O bonapartismo não se resume a uma forma de comando: é também uma forma peculiar de comunicação directa entre o tiranete e as massas. Dessa forma, cria dificuldades ou obstáculos intransponíveis para os processos decisórios do Estado de Direito e da sociedade democrática. É uma espécie de ‘quem manda aqui sou eu’ que, não obstante, engendra maneiras de preservar as aparências mínimas ou residuais, em graus diferentes, de normalidade. Trata-se de uma farsa autoritária.” (...) 

Depois de citarem vários exemplos recentes de situações em que “o Poder Judiciário resolve o que será feito, mesmo que isso implique contradizer o que está expresso na Constituição Federal”, os autores afirmam: 

“A culpa pelo protagonismo exacerbado não é dos magistrados. Como há uma clara carência de legitimidade cercando as autoridades do Executivo, e como há uma exasperante crise de credibilidade no Legislativo, irrompe no país inteiro um vazio que vem clamar por alguém que resolva as coisas  – e esse alguém só pode ser a autoridade do Poder Judiciário.” 

“Com ou sem explicações, com ou sem atenuantes, o facto é que essa distorção, ou essa força de sucção que impele o Poder Judiciário a extrapolar seus domínios e ocupar o vácuo deixado pelos outros dois poderes, desvirtua a dinâmica interna do Estado e desvirtua as relações entre Estado e sociedade. A isso sobrevém, então, o que estamos chamando aqui de jusbonapartismo.” (...) 

“No contexto brasileiro, devemos atentar sobre o modo pelo qual o Poder Judiciário vem ocupando o papel de se comunicar directamente com o público, atropelando a mediação crítica que só a Imprensa é capaz de desempenhar. Cada vez menos os magistrados falam no processo. Cada vez mais falam para os holofotes.” (...) 

“Não se trata de ministros, desembargadores ou juízes que dão entrevistas eventuais, tendo em vista o atendimento do direito do cidadão à informação. O que temos visto é algo inteiramente distinto: o uso estratégico de dados sigilosos para instrumentalizar a Imprensa de modo a orientar a formação da opinião pública numa determinada direção, direcção essa que favoreça, no fim da linha, as intenções ocultas daquela mesma autoridade judicial.” 

“A instrumentalização da Imprensa segundo o manuseio e o uso selectivo de aspectos isolados de processos judiciais é um tema da mais alta relevância para o que vem se conformando como ‘jusbonapartismo’.” (...)  

 

O artigo aqui citado, na íntegra, no Observatório da Imprensa