Quando o mecenato pode perverter a missão do jornalismo

A preocupação é séria, e põe em questão até que ponto as fundações podem comprometer a autonomia do jornalismo. Rodney Benson, da Universidade de Nova Iorque, adverte que os media dependentes deste mecenato correm o risco de “ser capturados pelas agendas da fundação e tornar-se menos capazes de investigar [outros] temas que considerem mais importantes”.
Por outro lado, Martin Scott admite que essa preocupação pode falhar a visão do conjunto. Citando uma investigação feita por si mesmo (com Mel Bunce, da Humanitarian News Research Network, e Kate Wright, da Universidade de Edimburgo), envolvendo 74 entrevistas com jornalistas e representantes de fundações, sugere que as consequências do financiamento por fundações podem ir para além da autonomia do jornalismo.
De um modo geral, “é contra os interesses das fundações serem vistas como interferindo com a independência editorial, porque isso iria atingir a reputação dos media que apoiam”.
Um dos editores entrevistados explica que “os nossos financiadores tornaram muito claro que não querem dirigir a cobertura... porque sabem que o verdadeiro valor está no facto de sermos nós a proporcionar um jornalismo de qualidade excepcional, que seja credível”. (...)
No entanto, como adianta Martin Scott, a investigação revela que “o financiamento por fundações pode moldar, inadvertidamente, as ‘fronteiras’ do jornalismo internacional não-lucrativo, ou o modo como os jornalistas compreendem, avaliam e desenvolvem o seu trabalho”. E cita três formas pelas quais essa alteração involuntária pode ocorrer:
Em primeiro lugar, e para não influenciarem a agenda dos media, raramente fazem um apelo aberto. “Estes financiamentos resultam de um processo informal de aproximação [courting process, no original] pelo qual as fundações e os jornalistas se vão conhecendo e procurando identificar áreas de interesse mútuo”.
O resultado é que perdem nisto muito tempo e recursos, cultivando relações com os representantes das fundações, procurando sublinhar a sua própria “visibilidade” e “presença”.
Glendora Meikle, que foi directora do Internatinal Reporting Project, admite que a sua relutância em “gastar dinheiro para conquistar dinheiro”, em vez de o gastar “para fazer reportagem”, conduziu ao encerramento do IRP em Janeiro de 2018.
Em segundo lugar, a maioria das fundações que apoiam jornalismo internacional procura meios de comunicação que possam mostrar evidência do impacto do seu trabalho. Em consequência disso, estes são incentivados a produzir conteúdos “impactantes”.
“Isto foi geralmente entendido como incluindo uma cobertura de textos longos, explicativa e ‘fora-da-agenda’, apontada a audiências ‘de nicho’, especializadas - incluindo decisores políticos.”
Em terceiro lugar, a forma mais habitual de apoio aponta para áreas temáticas como o desenvolvimento global, ou a escravatura moderna, por exemplo. Os jornalistas sentem que não são afectados porque, com uma definição tão ampla, continuam a ser livre de escolher sobre que casos vão fazer cobertura. Uma vez mais, isto vai deixar de fora muitos outros temas.
Não se tratando de mudanças inerentemente “boas” ou “más”, aquilo que nos preocupa - segundo o autor - “é que a natureza do jornalismo internacional - e o papel que tem na democracia - esteja a ser inadvertidamente moldada por um punhado de fundações, mais do que pelos próprios jornalistas.” (...)
O artigo original, na íntegra, e o estudo de Martin Scott, Mel Bunce e Kate Wright