Quando o jornalismo se degrada com “gralhas” e falta de vírgulas
O autor recorda uma frase saborosa, pela ambiguidade intencional das palavras escolhidas, que, no diário El Sol, o subdirector da equipa de revisão, Manuel Saco, dirigiu um dia ao filólogo e académico Fernando Lázaro Carreter:
“Las erratas [as ‘gralhas’] son las últimas que abandonan el barco, don Fernando!”
Ambos partilhavam “a mesma preocupação pela degradação do uso da língua na Imprensa”:
“Lázaro, que vinha do ensino universitário, talvez ainda acreditasse, nessa altura, que o problema se resolvia dando aos jornalistas melhor formação sobre a ferramenta da língua. Saco, que levava toda a sua vida profissional metido em redacções muito diferentes, de revistas e jornais diários, e já tinha visto de tudo, era mais pessimista.”
Ironicamente, acabou ele próprio por ser “vítima” de uma dessas “gralhas”, impressa num livro... sobre as “gralhas”. A obra tem por título Vituperio (y algún elogio) de la errata, do escritor e jornalista José Esteban, que conta aquele episódio ocorrido no El Sol, mas... o nome que aparece é Manuel Seco.
O autor deste artigo admite que Esteban possa ter sofrido “um lapso ou ataque de ultra-correcção, confundindo Saco com o lexicógrafo, filólogo e linguista Manuel Seco”, autor de outro livro muito recomendável, o Diccionario de dudas y dificultades de la lengua española.
E recorda que as “gralhas” vêm do tempo da fundação da tipografia. No Salterio de Maguncia, de 1457, impresso por Johan Fust, que tinha sido sócio de Gutenberg, “há uma errata clamorosa: um ‘Spalmorum Codex’ onde devia estar ‘Psalmorum Codex’ [Livro dos Salmos]”. (...)
“Mas há algo de novo e inquietante, desde há meses, nisto das ‘gralhas’, algo que aumenta o pessimismo que já tinha Saco há quase três décadas. Muitas das ‘gralhas’ que desfeiam, deterioram e desprestigiam a Imprensa, não o são por acidente, mas sim erros por ignorância. Ignorância ortográfica, gramatical ou lexical.” (...)
E Arsenio Escolar aponta um dos lapsos mais frequentes em todos os jornais, o de esquecer a segunda vírgula nas construções em que a frase contém uma aposição explicativa. Na frase - “La película que acaba de estrenar Fernando Trueba, La Reina de España, ha cosechado malas críticas” - se essa segunda vírgula for esquecida, é a Rainha de Espanha que acaba a receber as críticas...
Ou, com final feliz, no exemplo atribuído a Carlos I de Espanha [Carlos V do Sacro Império Romano-Germânico], a quem fora entregue para assinar a sentença - “Perdão impossível, que cumpra a condenação.”
Talvez por magnanimidade, Sua Alteza Imperial terá alterado a localização da vírgula, ficando a sentença - “Perdão, impossível que cumpra a condenação.”
O artigo citado, na íntegra, em Cuadernos de Periodistas