Quando notícias antigas servem para intoxicação nas redes sociais

Em Março de 2018, Nick Dastoor, membro da equipa de medição de audiências em The Guardian, começava o seu dia de trabalho procurando verificar de que modo o público reagira às notícias do dia anterior, e que conclusões se podiam tirar daí.
Usando a ferramenta de análise Ophan, verificou que havia um pico de pageviews sobre a notícia de um atentado à bomba contra uma Igreja no Paquistão. Podia verificar que as cerca de 51 mil visualizações vinham quase todas do Facebook, que eram feitas sobretudo por telemóvel, que a audiência era global e pouco conhecida do jornal e, sobretudo, que não era The Guardian a promover a história, presumivelmente trazida por “páginas de nicho do Facebook”.
Procurando o tipo de tweets que tinham levado os leitores à notícia, encontrou frases como “nada nos jornais tradicionais”, “os jornais não falam disto”, etc.
Como escreve Chris Moran, editor em The Guardian, no artigo que citamos da CJR, “tirando o facto de que os autores dos tweets condenavam o jornalismo tradicional [mainstream media, no original] por não fazer cobertura de um acontecimento, enquanto punham o link para um jornal tradicional que o cobria, havia outro problema significativo: o artigo era de 2013, e nenhum deles parecia sabê-lo”.
Como explicou Nick Dastoor, por escrito, à redacção, “é difícil saber exactamente onde começou o reavivamento deste artigo, mas sabemos que nos últimos dias foi partilhado por uma quantidade de páginas do Facebook de extrema-direita, e islamofóbicas, sem qualquer indicação de que tinha acontecido há mais de cinco anos”.
“Por que não há indignação?” - dizia a mensagem do post de um grupo. “A ‘militarização’ de notícias antigas do Guardian para espalhar uma mensagem deste tipo é um fenómeno deprimente. A indicação de data nas nossas antigas notícias é aumentada por uma linha que diz – ‘Esta notícia tem X anos’, mas, claramente, isto não impede a partilha por maus actores.”
O post que aparece na imagem usada como exemplo, no artigo, é assinado por ‘Phillip Roberts’, nome de uma conta falsa.
O jornalista Miguel Ángel Ossorio Vega, de Media-tics, que se refere também a este caso, diz que “não é a primeira vez que hordas de internautas furiosos, com ou sem conhecimento de causa, devolvem à actualidade notícias do passado”:
“Em muitos casos, é tão simples como copiar o texto e partilhá-lo descontextualizado. Noutros, menos elaborados, faz-se o reenvio (pelo menos) dos links oficiais para o meio de comunicação citado. Poucos internautas parecem ter interesse em comprovar a data de publicação do conteúdo que recebem dos seus contactos, ou que encontram na Internet. E isto supõe um perigo para a sociedade, já que, quase sempre, as notícias que regressam do passado têm como objectivo intoxicar a opinião pública.” (...)
Mais informação em Media-tics e na Columbia Journalism Review.
Outro caso de desinformação, em que um documentário sobre um facto antigo é interpretado de outro modo. No nosso site.