Quando a ética jornalística se deixa viciar pelo cinismo

O texto começa por uma referência à Crítica da Razão Cínica, de Peter Sloterdijk, publicado em 1983 na Alemanha, como “uma referência para entender o comportamento humano, representado por várias instituições, ao final do século 20”.
“Ele já percebia cinismo crescente à época em diversas actividades, como na religiosa, nas forças armadas, na política parlamentar, no Estado…Também não deixa de falar sobre o jornalismo. O autor alemão considerava que o jornalismo estava se tornando um terreno mais fértil para a legitimação pública de ideias do que os próprios institutos de relações públicas, as agências de publicidade, os estúdios de propaganda e congéneres. Verificava tal tendência. Era mais conveniente e crível que o jornalismo continuasse a se chamar jornalismo, mas vivesse de estratégias como a da propaganda.” (...)
O autor deste Comentário da Semana, Francisco José Castilhos Karam, investigador do ObjEthos e autor, entre outros textos, de Jornalismo, Ética e Liberdade, toma partido sobre a actual situação política no seu país, afirmando:
“Talvez hoje, no Brasil de 2017, consigamos, quase quatro décadas depois do livro Crítica da Razão Cínica, constatar que a Imprensa – como instituição consolidada na Modernidade e na democracia – ajudou a confirmar o autor alemão. Sim, a maior parte do jornalismo da chamada grande media faz parte, actualmente, de um amplo processo de propaganda de interesses particulares, desvinculando-se, a despeito da vontade e esforço de muitos de seus profissionais, do até então marco do interesse público. Uma nova etapa? Ainda dá pra chamar de jornalismo?”
“Embora ofereça muita munição como pauta, a troca de delação por liberdade não é tema de investigação jornalística. Faz parte do cinismo contemporâneo.” (...)
O seu diagnóstico final é pesado:
“Infelizmente, a partir das reformas propostas por Temer e apoiadas pelos media, subsidiados para defender interesses privados patrocinados pela propina oferecida diariamente pelo governo às empresas jornalísticas e nem mais disfarçada, ‘chegar lá’ torna-se uma utopia cada vez mais distante.”
“O dinheiro público que vai para a empresa jornalística sai ‘do meu bolso, do seu bolso’, do ‘bolso do contribuinte’ e agrava ainda mais a ‘crise da Previdência e do País’. Quanto às delações, a investigação jornalística, se jornalismo houvesse, deveria apresentar precisão, factos e documentos de acordo com o tamanho das denúncias. Mas estamos no reino do cinismo.”
O original, na íntegra, em ObjEthos, de onde recolhemos igualmente o cartoon que inserimos