Pode a Web substituir, ou salvar, o jornalismo político?

Jonathan Stray apresenta-se, no seu blog, como “um jornalista freelance e investigador informático (computer scientist, no texto original), fascinado pelos problemas do conhecimento e da cultura”. É docente de computacional journalism na Universidade de Columbia, Estados Unidos. “Gosto de pensar e escrever sobre de que modo vai o jornalismo ter de mudar, em resposta à Internet, e como pode a Internet ser aplicada no sentido de uma maior transparência, de um aumento da auto-governação e, em última instância, da felicidade e divertimento das pessoas em todo o mundo. Temos agora esta coisa nova. Podemos então ver o que se pode fazer com ela.”
O artigo aqui citado, sobre a natureza e a crise do jornalismo político, apresenta casos concretos em que a ideia de informar para levar as pessoas a alterarem o sentido do seu voto pode ser insuficiente:
“Quero que o jornalismo político me ajude a compreender melhor como posso mudar o mundo a meu gosto, agindo com outras pessoas que querem a mesma coisa. Quero que a mudança tenha a ver comigo e com a minha comunidade, com as nossas aspirações e o que podemos fazer para realizá-las. Isto poderia ser qualquer coisa: desde varrer o parque a organizar uma campanha nacional pela reforma tributária. Existem muitos públicos diferentes - que se podem ter juntado por temas, ou pela geografia ou por redes - e muitos sonhos colectivos. A agência internacional de desenvolvimento Oxfam elaborou uma lista exaustiva das maneiras pelas quais se dão as mudanças sociais - e a política eleitoral é apenas uma delas.”
“Não estou sugerindo que os jornalistas ignorem governos e eleições. Os jornalistas irão dizer que esperam poder informar os eleitores e é por isso que passam tanto tempo fazendo a cobertura dos candidatos. O voto é, evidentemente, um acto político, mas é um entre muitos, e outros actos cívicos merecem muito mais atenção do que aquela que lhes é dada.”
“Nós transformamos o voto num fetiche; ficamos obcecados pelo número de eleitores votantes e tornamos atraente a ideia de um ‘eleitor bem informado’. Eu nem mesmo estou convencido de que o jornalismo baseado em matérias clássicas contribua assim tanto para decidir como votar. Minha esperança é maior na ideia de apps de recomendação de voto, experiências interactivas projectadas para educar os eleitores e ajudá-los a escolher. Porém, de qualquer maneira, num sistema bipartidário o seu voto apenas contribui com um mínimo de informação! A resposta é outra, com certeza.”
A segunda parte deste trabalho reflecte sobre a grande alteração trazida pela Internet ao que significa ser um cidadão envolvido:
“Eu fiz parte da primeira geração que cresceu mergulhada nessa possibilidade e, quando comecei a fazer perguntas de cunho político, lembro-me de ter descoberto que as gerações mais velhas tinham uma opinião muito diferente em relação a como a política deveria funcionar. Às vezes, a discrepância era chocante: é óbvio, para mim, que os parlamentares do Congresso deveriam prestar atenção aos meus tweets, certo? Como poderiam eles ignorar um canal onde milhões de cidadãos normalmente expressam suas opiniões? Os cidadãos de hoje esperam que a sua política seja participativa. Pense, por um minuto, no que poderia fazer se não estivesse lendo notícias políticas, e depois pense se as notícias políticas que lê o ajudam a fazê-lo.”
O que é ainda mais revelador é que Jonathan Stray conclua este seu artigo com uma citação do final do manifesto “Nós, os filhos da Web”, do autor polaco Piotr Czersky. Comentar este outro texto seria matéria para mais espaço. Ficam aqui os dois últimos parágrafos de uma versão em inglês, acessível na Net:
“Nós não sentimos um respeito religioso pelas ‘instituições da democracia’ na sua forma corrente; nós não acreditamos no seu papel axiomático, como fazem aqueles que vêem as ‘instituições da democracia’ como um monumento por si e para si próprias. Nós não precisamos de monumentos. Precisamos de um sistema que corresponda às nossas expectativas, um sistema transparente e competente. E aprendemos que a mudança é possível: que todos os sistemas intoleráveis podem e são substituídos por um novo, mais eficiente, mais adequado às nossas necessidades, proporcionando mais oportunidades.”
“Aquilo a que damos mais valor é a liberdade: liberdade de expressão, liberdade de acesso à informação e à cultura. Sentimos que é graças à liberdade que a Web é aquilo que é, e que é nosso dever proteger essa liberdade. Devemos isso às próximas gerações, tanto como devemos a protecção do ambiente. Talvez ainda não lhe tenhamos dado um nome, talvez não tenhamos ainda a consciência disso, mas eu acho que o que nós queremos é uma democracia real e genuína. Uma democracia que talvez seja mais do que aquilo que é sonhado pelo vosso jornalismo.”
O artigo aqui citado foi traduzido e divulgado pelo Observatório da Imprensa do Brasil em 22 de Dezembro, com o título “Jornais e TV priorizam políticos em vez do cidadão”. O texto original apareceu em 30 de Novembro no espaço jornalístico Thoughts on Media, da plataforma Medium, com o título “It’s not you: political journalism really is broken”.