É bom que haja denúncias e mega-revelações de informação reservada, que os poderosos e os corruptos desejariam ver escondida, é bom que esse material venha a público e seja lido por todos  -  mas vamos às dúvidas.  Carlos Castilho começa pelas intenções:  “(...) isto nos coloca diante da necessidade de conhecer também como, quando, porquê e para quê estes dados foram publicados. (...) O problema é que a avalanche de dados acaba se tornando inócua e até trivial caso eles não sejam contextualizados com a identificação de motivações, procedimentos, beneficiados e prejudicados.” 

Faz também a lista das mega-revelações, nos últimos anos:

1.    -  Em 1973, os Documentos do Pentágono no The New York Times, sobre a guerra no Vietname  - se fossem hoje digitalizados, não passariam de uns 50 megabytes.

2.    -  Quatro décadas mais tarde, os Wikileaks colocaram nas mãos da Imprensa mundial 1,7 gigabytes de dados sobre comunicações secretas no Departamento de Estado dos EUA.

3.    -  Em 2014, o Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo divulgou os Luxembourg Leaks, envolvendo manobras de 343 grandes empresas transnacionais para fugirem ao pagamento de impostos.

4.    -  Um ano mais tarde, o mesmo Consórcio lançou os Swiss Leaks, “negócios duvidosos realizados pela sucursal suíça do banco HSCB, envolvendo mais de 180 bilhões de euros, 20 mil empresas internacionais e 100 mil clientes espalhados pelo mundo.”

5.    -  Agora, os Panama Papers trazem um volume de dados que chega a 2,6 milhões de megabytes (duas mil vezes maior que o Wikileaks).  

O texto de Carlos Castilho defende depois que “devem ser investigadas várias questões obscuras nos Panama Papers, como a identidade e motivações do denúnciante anónimo que entregou os documentos ao jornal alemão. (...) Há também questionamentos sobre a decisão do Consórcio (ICIJ) de não divulgar todo o conteúdo dos documentos incluídos (...) o que na prática já implica uma primeira filtragem dos documentos.”  A biografia conhecida de Jurgen Mossack e Ramón Fonseca Mora não ajuda...

Carlos Castilho termina com a necessidade de“contextualização” aplicada ao caso brasileiro:

“Com as redações reduzidas ao mínimo necessário para o atendimento das pautas [agendas] quotidianas é pouco provável que os jornais brasileiros tenham condições financeiras para arcar com o custo de investigações longas e complicadas." (...)

“A imprensa é a única instituição que teria condições de contextualizar, a partir da lógica do interesse do cidadão comum, toda esta massa de documentos que começa a se tornar pública em todo o planeta. Mas isto implica um compromisso com um mínimo de isenção e objectividade, dois elementos que estão fazendo muita falta nos nossos media.”

 
Eis uma realidade que se aplica ao Brasil mas da qual a imprensa portuguesa também não está isenta.

 

Ler o texto original no Observatório da Imprensa do Brasil, do qual tomamos também a ilustração utilizada, assinada Pixabay /CC