Algumas dessas ilusões aceitáveis chegaram há cinco anos, “na esteira da Primavera árabe”. O autor explica como “a cada acção corresponde uma reacção” e basta seguir “as pegadas digitais nas redes sociais e nos sistemas de trocas de mensagens” para que a mesma rede que trouxe a comunicação libertária entre milhões de oprimidos possa ser usada para os identificar e reprimir, um por um. 

“Ingenuamente, a humanidade foi se entregando às redes, sem perceber que neste mundo não há nada de graça. O produto de Facebook e Google é o acesso à privacidade, um bem extremamente valioso quando se trata de oferecer publicidade dirigida ao gosto e hábitos do freguês. No caso das redes, havia outro fenômeno em formação sem que nem seus criadores se dessem conta dos efeitos tóxicos que estavam gestando.” 

“Ao fragmentar o mundo em bolhas de opinião e interesses, o algoritmo que define o que cada um vai ver ou ler oferece ao usuário mais do mesmo, na expectativa de que ele se manifeste, compartilhe ou dê likes sobre o conteúdo, revelando assim mais e mais sobre si mesmo. (...) Para incentivar engajamento, o algoritmo esquadrinha o comportamento dos indivíduos e divide-os. (...) 

Um não quer saber do outro e, mesmo que quisesse, o algoritmo não pretende ajudar a construir uma ponte entre os dois universos. Ao contrário, ele reforça as crenças e valores de cada usuário, que, quanto mais se engaja com um enfoque, mais recebe sobre ele. E assim teve início a escalada de intolerância que assusta a quem acompanha as consequências do pugilato digital.” 

“Outro efeito colateral, não previsto nos primórdios das redes: para conquistar adeptos e likes, o usuário tem de postar ou compartilhar conteúdos cada vez mais espetaculares e radicais, num crescendo de virulência robustecido a todo instante pelo algoritmo.” (...)  

“Sem barreiras legais ou éticas, especialistas em adulteração de informações passaram a agir nos desvãos das campanhas. Nas Filipinas, a foto de uma menina de nove anos, que teria sido morta por usuários de drogas, foi decisiva para a eleição do truculento Rodrigo Duterte em 2016, meses antes de Trump.”

“A menina fora assassinada no Brasil em 2014, mas quem se importa com os desmentidos? Nas redes, a mentira sobe de elevador, enquanto a aborrecida correcção segue, resfolegante, pelas escadas. Durante a campanha, o odor de sangue transformou os eleitores filipinos em tubarões sedentos de carne, numa escalada que só foi possível graças às redes sociais.” (...) 

Marcelo Rech conclui com uma imagem recolhida da saúde pública:

“Para atender à demanda por uma qualidade superior, jornalistas terão de aprender a agir como cirurgiões  – de modo rápido e preciso –  sob pressões tremendas, desviando-se de armadilhas ocultas, sem praticamente nenhum espaço para o erro.” (...) 

“Naturalmente, como na história do diagnóstico médico, há bons e maus doutores, centros de saúde de referência e outros que mereceriam ser fechados. Achar o melhor jornalista e marca jornalística será como identificar os melhores médicos e hospitais. No futuro, com a sofisticação dos processos de selecção de informação e avaliação de fontes, a reputação será o grande divisor de águas entre curandeiros da notícia e profissionais do jornalismo de alto nível.” (...)

  
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