Para situar as coisas, Lucía Méndez começa por um momento de nostalgia, a propósito do Óscar atribuído ao filme Spotlight, que nos remete para uma história exemplar do jornalismo de investigação: a da equipa do Boston Globe que consegue produzir e publicar o primeiro grande trabalho de denúncia da pedofilia e do seu encobrimento entre o clero católico de Boston e Estado de Massachussetts.

 

Não descreve esses jornalistas como heróis, mas como “profissionais de carne e osso  - com as suas dúvidas, erros e vacilações -  que conseguem fazer o seu trabalho e trazer à luz uma terrível realidade escondida, graças ao facto de os seus editores resistirem às pressões do poderoso Cardeal Law, chefe da instituição mais influente da cidade em que era editado o jornal, e de outras instâncias que ameaçavam os responsáveis pela publicação”.

Partindo daqui, a autora asume que “nunca na história houve um jornalismo sem pressões”, as quais, mesmo numa sociedade democrática, podem vir do poder político, da empresa, dos anunciantes, dos poderes económicos e financeiros, dos próprios chefes, até chegarem às “pressões íntimas de cada jornalista individual, que acabam por conduzir à autocensura”. O que se impõe fazer?

Lucía Méndez admite que a tensão entre os media e as instituições é natural e até mesmo saudável, faz parte das regras do jogo. Os jornalistas querem saber, as organizações tendem para a opacidade:

“Os jornalistas querem informação, os partidos políticos propaganda. A primeira obrigação profissional dos media é proporcionar informação verdadeira e contrastada. A segunda é resistir às pressões.” 

A situação torna-se mais difícil em épocas de crise económica, explica, citando a Ética del Periodismo, de Norbert Bilbeny: “Ao aumentar-se o desemprego e a precariedade, ao reduzirem-se as equipas, favorecem-se nos media o controlo político e a pressão económica.” Em resumo, as crises tornam mais dóceis os jornais, que perdem autonomia  e capacidade soberana para exercerem o seu papel de vigilantes. 

Lucía Méndez procura os números mais recentes, neste caso o Relatório Anual da Profissão Jornalística realizado pela APM a partir de um inquérito a cerca de 2.500 profissionais, em Espanha, no qual  “76,8% por jornalistas declara ter recebido pressões, uma percentagem sem dúvida elevada, que no entanto não causa estranheza. O que é verdadeiramente alarmante é que a percentagem de jornalistas que cedem às pressões chega aos 75% dos que têm um contrato laboral e aos 80% dos profissionais que trabalham em regime autónomo”. 

Descreve depois as cenas possíveis em muitas redacções:

“O chefe que se abeira do redactor, depois de ter falado com o assessor de comunicação de qualquer ministério, para lhe dizer que a abordagem da sua notícia não é exacta. O superior que obriga o jornalista a mudar o título de uma notícia que afecta o governo, ou a oposição, para não incomodar. O amigo influente de qualquer personagem que aparece numa lista de corrupção, ameaçando com processos, porque aquelas fugas destroem a sua presunção de inocência.”  (…)

Mas depois de o fazer, Lucía Méndez volta-se para a “ameaça interna", o “espelho mais inquietante”, o do “jornalista diante de si mesmo”. E conta histórias de profissionais que “olham para o outro lado quando se cruzam com uma notícia que pode desagradar aos seus chefes ou à opção política que apoia o seu jornal”, ou que publicam informações sem contraditório, ou que colocam a sua vaidade, ou interesses, acima dos fundamentos da profissão, ou até que “fazem perguntas para agradar aos seus seguidores no Twitter”…  

E conclui:

“A função básica do jornalista é procurar, incomodar, perguntar, até quase chegar à insolência. E a situação ideal é que as pressões nunca saiam do escritório dos directores dos media. (…)  A independência é uma colina concreta que temos de conquistar todos os días, em cada redacção. E a batalha mais difícil não é a que temos contra o inimigo que nos pressiona, mas si cada um contra si mesmo.”

 

O texto original, em Cuadernos de Periodismo