Onde se compara a nova Carta da Era Digital à reabilitação da censura
De acordo com Pacheco Pereira, tudo isto foi feito sob a capa de um “direito à protecção contra a desinformação”, com a pretensão de “proteger” os cidadãos contra uma forma peculiar de “narrativas”.
Pacheco Pereira ressalva, por outro lado, que a parte final do documento prevê a penalização de quem ameace os “processos políticos democráticos”, os “processos de elaboração de políticas públicas” e os “bens públicos”, o que “serviria para impedir e punir qualquer crítica ao Governo”.
Ora, para Pacheco Pereira, “numa sociedade democrática, onde há liberdade de expressão, não se pode controlar e muito menos punir através de uma qualquer ERC ‘informações falsas, imprecisas, enganadoras, concebidas, apresentadas e promovidas para causar dano público ou obter lucro’”.
Além disso, aquele comentador político recorda que “ser enganado é um custo da liberdade, mas é mil vezes melhor do que dar ao Estado o poder de decidir o que eu devo ou não conhecer, pela censura do que é informação e do que é ‘desinformação’.
“‘A censura protege-vos’ era o grande lema da censura dos 48 anos de ditadura”, conclui.
Também António Barreto faz alusão ao “ famoso artigo 8.º da Constituição de 1933, do Estado Novo de Salazar”.
Neste artigo previa-se que “a liberdade de expressão do pensamento sob qualquer forma (…) é um direito e uma garantia individual do cidadão”, ressalvando, por outro lado, que as “leis especiais regularão o exercício da liberdade de expressão do pensamento (…) devendo prevenir preventiva ou repressivamente a perversão da opinião pública na sua função de força social e salvaguardar a integridade moral dos cidadãos”.
“Através da ERC, de agências e serviços a criar, de ‘estruturas de verificação’ a acreditar, de associações a reconhecer, de jornais ou televisões a certificar, de ‘selos de qualidade’ a distribuir, de institutos universitários e centros de estudos académicos em que delegar competências, o Estado prepara-se para pagar o funcionamento de uma rede infernal de delação, supervisão e vigilância, enquadrada num esforço estatal de defesa da verdade, da narrativa autêntica e de elevação moral, assim como da protecção dos fracos, dos vulneráveis e de todos os públicos especiais, o que quer dizer, de toda a gente”, acrescentou Barreto.
Por outro lado, Barreto recorda que “é verdade que a lei é mal feita, mal escrita e perversa” e que, por isso, "talvez seja mudada a curto prazo ou nunca venha a ser aplicada”.
Ainda assim, “o que é certo é que o dispositivo autoritário está criado”, defende, acrescentando que “os autores e os que aprovaram esta lei vão ficar na história. Pelas piores razões”.