O “medo de dar notícias” segundo David Dinis, ex-director do “Público”

Começando pelos jornais de referência, David Dinis diz-nos que “o medo deles é-nos familiar”:
“É difícil gerir um jornal que não dá dinheiro, entre as vendas a baixar e os novos digitais a entrar. É natural a tentação de procurar saídas rápidas, de cair na conjugação dos verbos ‘inovar’ e ‘copiar’. Mas a resposta, que tem sido menos centrada numa estratégia e mais na vertigem dos resultados de curto prazo, muitas vezes pôs em causa a sua história, os seus valores, as suas virtudes.” (...)
“É que é preciso coragem para dar notícias hoje. Esse é o primeiro medo de que lhe quero falar, o mais preocupante nos dias que correm: o medo de dar notícias. Aquelas que ferem. (...) Quando há uma notícia e a verdade destrói, os poderes reagem e cortam onde mais dói à imprensa. É a nova censura, que às vezes leva a uma autocensura.”
“E se o ataque não é ao financiamento, é à credibilidade dos jornais. Se há uma notícia sobre o Bloco de Esquerda, eis que o Bloco vira o discurso contra os jornalistas. Também não é diferente se for o PS, o CDS, o PSD: se os jornais acusam, porque não fazer deles o inimigo?”
A arma consegue ser terrivelmente eficaz. Sim, porque também os leitores podem ter medo da verdade, sobretudo se são fiéis, militantes, simpatizantes. A vida é sempre mais simples quando se acredita sem limites num Deus, numa ideologia, numa equipa. E muito mais difícil quando essa parte de nós é posta em causa.” (...)
David Dinis adianta, a seguir, a boa notícia e a má notícia:
A boa é que “o jornalismo não desistiu, (...) porque nos sobram muitos bons jornalistas, aqueles que procuram as notícias, que conhecem a história e o contexto, que discutem cara a cara com quem decide, que insistem em denunciar, em nos fazer pensar”. (...)
A má “é que nos últimos anos muitos dos nossos melhores jornalistas desistiram, ficaram pelo caminho; e que vai ser preciso fazer mais para que os bons que restam mantenham a vontade de lutar por ela, pela verdade”.
“Quem manda nos jornais sabe desta verdade e tem medo disso: é que muitos dos nossos melhores jornalistas estão há anos, muitos anos, sem um aumento de salário, sem uma formação suplementar, sem um acrescento de valor que não venha do tempo roubado ao seu tempo — a ler, estudar, a pensar. Isto só é possível quando o jornalismo é muito prazer. Mas a verdade é que não há prazer que dure sempre.” (...)
Ainda segundo o autor, compete agora aos jornais de referência fazerem a sua parte:
“Sobretudo lutar contra o medo de outra verdade: a de que também o novo modelo de negócio falhou — o da procura dos cliques fáceis, dos pageviews aos milhões, das métricas de popularidade, dos pequenos anúncios na homepage do jornal. Esse modelo não só trouxe poucas receitas como destruiu valor de marca e a motivação dos jornalistas.” (...)
“Cedeu aos títulos rápidos, aos temas feitos para chamar a atenção no Facebook, aos textos sem contexto ou que não nos acrescentam, às 1001 notificações por dia a piscar o olho para que alguém as abra. (...) E com isso, na procura de compensar as perdas chamando leitores novos, acabou por afastar outros leitores, os mais fiéis, inteligentes, exigentes e os que mais estariam dispostos a pagar por um produto de qualidade. Caiu num buraco de onde só se sai a custo.” (...)
“Sim, o Jornalismo, aquele que se escreve com letra grande, terá de saber vencer o medo desta verdade, revisitando o que já fez. Terá que ser menos breaking, e mais news. (...) Para lutar por essa verdade, a velha Imprensa terá que vencer o medo que tem da nova Imprensa, porque cada uma tem o seu lugar.” (...)
A concluir, David Dinis afirma que “a Imprensa, toda ela, terá também de perder o medo de mais uma verdade: a de reconhecer que também o grande jornalismo erra e de aprender a lidar com esse erro, seja na estratégia, seja numa notícia”:
“Mas verdade seja dita, caro leitor, para que seja possível vencer tudo isto, também a si se coloca um desafio: enfrentar a verdade, crua e dura, de que não há boa Imprensa se não contribuir para ela, de que a melhor garantia para a nossa liberdade também tem um preço — de capa, de assinatura, de subscrição.” (...)
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Curiosamente, entre os livros que têm sido publicados sobre a relação de conflito cultivada pelo novo Presidente americano com os media, um deles, saído em Janeiro deste ano de 2018, tenha como últimas palavras de um longo título “a guerra pela verdade”