O lado obscuro dos comentários dos leitores na Imprensa online
Quase um milhão e meio de dichotes baseados em preconceitos e redigidos com raiva explícita, com vontade de ataque pessoal, no espaço de pouco mais de dez anos, é um número grande. Mas quais são os seus alvos preferidos? O artigo de abertura sobre este estudo, intitulado The dark side of Guardian comments, afirma:
“Nova investigação sobre as nossas linhas de comentário do leitor trazem a primeira evidência quantitativa daquilo que as jornalistas já suspeitavam há muito tempo: que os artigos escritos por mulheres atraem mais insulto ou comentário depreciativo do que os que são escritos por homens, independentemente do tema dos artigos.”
“Apesar de a maioria dos nossos colunistas habituais ser composta por homens de raça branca, descobrimos que aqueles que receberam os níveis mais elevados de insulto e comentário depreciativo não eram. Dos dez autores habituais que tiveram mais insultos, oito eram mulheres (quatro brancas e as outras não brancas), e dois homens negros. Duas das mulheres e um dos homens eram homossexuais. E das oito mulheres neste top ten, uma era muçulmana e a outra judia.”
Os dez colunistas regulares que receberam menos insultos eram todos homens.
O texto do Guardian coloca depois a questão sobre o que fazer a este respeito. Não ler os comentários, apagá-los todos? Há jornais que tomaram essa opção.
“Mas em muitos casos o jornalismo é enriquecido pelas respostas dos seus leitores. Por quê, então, desactivar todos os comentários só porque uma pequena minoria se torna um problema? Nós, no Guardian, achámos que já era tempo de examinar o problema, em vez de lhe voltar as costas.”
O estudo descreve também seis passos seguidos na investigação:
- - Verificar se os homens e as mulheres são tratados de modo diferente pelos comentadores do público.
- - Verificar a correspondência da proporção de colunistas entre os dois géneros e os temas tratados.
- - Os artigos escritos por mulheres receberam mais comentários que tiveram de ser bloqueados (muito mais se apareciam na secção de Desporto, por exemplo, e os homens na de Moda).
- - A partir de 2010, artigos escritos por mulheres atraem mais consistentemente comentários que têm de ser bloqueados, do que os escritos por homens.
- - Alguns temas atraem mais comentários desse tipo, como o Noticiário Internacional, a Opinião e o Ambiente; e também a Moda.
- - Conversas sobre palavras cruzadas, cricket, corridas de cavalos e jazz, são respeitosas; debates sobre o conflito Israel – Palestina já não são. Os artigos sobre feminismo atraem níveis muito elevados de comentários que são bloqueados, bem como sobre o tema da violação.
O diário francês Le Monde interessou-se por este trabalho e publicou um artigo em que compara a sua experiência com a do Guardian:
“Recorde-se que, ao contrário do Le Monde, onde só os assinantes podem comentar os artigos (no Big Browser toda a gente pode), o site do Guardian é aberto a todos, desde que preencham uma inscrição. Os artigos podem ser comentados durante três dias após a publicação, mas depois a linha de discussão é fechada.”
Também em Portugal, infelizmente, os jornais online que dão espaço aberto ao comentário dos leitores começam a confrontrar-se com esta experiência desagradável, oscilando entre uma política de filtragem das mensagens e a inserção irrestrita.
O estudo citado e artigos do The Guardian e Le Monde. A imagem usada é também do The Guardian