A autora evoca situações “que resultaram na manifestação de sentimentos de ódio e intolerância, cada vez mais comuns, como no episódio da marcha contra a igualdade racial, nos EUA”, ou, no Brasil, “a polarização no mínimo extravagante entre quem argumentava que o nazismo era de esquerda e quem assegurava que era de direita”, deixando a pergunta sobre “o que fazer dessas emoções”: 

“O jornalismo é responsável por elas? Se for, como pode exercer um papel de orientação ou mesmo de pacificação em meio a grandes conflitos sociais?” (...) 

O texto cita, depois, a postura de três grandes instituições mediáticas no Brasil, as organizações Globo, o Grupo Estado e a Folha de são Paulo, que, sendo embora privadas, guardam nos seus princípios editoriais “muitos vestígios do ‘dever ser’ do jornalismo, pois se assentam nos valores cultivados e conquistados por ele ao longo da história; entretanto, sua finalidade comercial e consequente orientação para os interesses de uma elite pode gerar conflitos entre o que dizem e o que efectivamente fazem”. 

“Por isso, é cada vez mais comum que em caso de tensão social os jornais evoquem a imparcialidade como seu principal valor  – e, no lugar de orientar o debate público à luz dos seus próprios valores, fomentem polémicas, desorientem e abasteçam o sentimento de intolerância e cólera no lugar de questioná-lo. Será que o papel de informar acaba mesmo aí?” 

A autora cita igualmente os princípios das Nações Unidas sobre esta matéria:

“Nesse dever ser assumido pela ONU, em que ‘cada jornalista morto ou neutralizado pelo terror é um observador a menos da condição humana’, reside a compreensão de que o jornalismo é essencial à mediação de conflitos e à preservação de direitos. Caberia a ele e às suas instituições, portanto, o importante papel de contribuir para o debate público, inclusive assumindo de vez as responsabilidades sob as quais firmam compromissos com o leitor.” (...) 

Em “tempos de cólera”, isto traz um novo compromisso ao jornalismo, o de “posicionar-se em momentos de convulsão social”.

  1. -  Concretamente, por um posicionamento editorial firme, e de mais clareza, não se limitando, a pretexto de pluralidade, a dar apenas voz a colunistas que, dizendo coisas completamente diferentes, contribuem para “aguçar o sentimento de polarização e de cólera”.
  2. -  Fazendo reportagens esclarecedoras. “Quanto mais dúvidas e mais falta de esclarecimento, quanto mais conflito e polarização, maior será o espaço a ser ocupado pelo jornalismo.”
  3. -  Exercendo uma moderação séria e activa: comentários não são zonas de guerra. “É desalentador ver o volume de desconhecimento, de desinformação e de ódio que se repetem a cada notícia. Em muitos casos, é possível ler ameaças contra os jornalistas que assinam as notícias: o retrato perfeito de um tempo de convulsão e de intolerância. (...) É preciso lembrar que um bom jornal é feito também de bons leitores e que esses mesmos leitores podem estar dispostos a negociar em situações de conflito. Informações bem apuradas, contextualizadas e que não se omitem diante das polémicas e controvérsias continuarão a ter um impacto na sensação e nas emoções do seu público, mas um impacto muito mais coerente com o que se espera do jornalismo.”

 

O comentário citado, na íntegra, em ObjEthos