O “choque de culturas” entre o jornalismo e a tecnologia
Emily Bell acrescenta que “a riqueza e a influência geradas em Silicon Valley desvalorizaram o capital político dos proprietários e executivos das empresas noticiosas, e substituiram-nos por completo”.
Esta diferença de atitudes mentais entre o Silicon Valley e o jornalismo da Costa Leste fica dramaticamente ilustrado pelo processo posto por Hulk Hogan, com o apoio financeiro do investidor e bilionário Peter Thiel, que levou a Gawker à falência.
Mas pode também ser encontrada, a uma escala mais próxima, no quotidiano de um jornal informatizado. A autora deste trabalho recorda uma reunião em que se discutia o lugar dos “tecnólogos” no espaço do jornal. Enquanto uns diziam que teria de ser, naturalmente, no centro da redacção, outros comentavam: “Mas os engenheiros e os jornalistas são tão diferentes, certamente que isso não vai funcionar”...
Emily Bell reconhece que há muitas espécies diferentes de tecnólogos, assim como de jornalistas, e que grande número deles têm competências cruzadas, e afirma:
“Na maior parte das redacções, aquilo que era uma hostilidade dos jornalistas contra os techies [como lhes chamavam] acabou por se tornar uma admiração, e a compreensão de que os jornalistas dotados das competências técnicas correctas têm a chave da sobrevivência e da saúde neste terreno.”
Cita ainda outro exemplo, colhido do relatório de inovação do New York Times, de 2014, em que um jornalista reconhece que os profissionais no seu ramo têm a tendência de concentrar recursos em grandes projectos pontuais e organizar os meios necessários para os levar a cabo, “desprezando o trabalho menos ‘glamoroso’ de criar ferramentas, templates e aplicações permanentes que podem, cumulativamente, assumir maior impacto, poupando tempo aos jornalistas do digital e melhorando o conjunto da reportagem; nós desvalorizamos muito a capacidade de replicação”.
Como conta a autora deste trabalho, a fricção cultural entre estas equipas tem sido atenuada nas redacções. Outra coisa é o crescimento das grandes plataformas de distribuição, e o lugar que tomaram no próprio processo editorial. Hoje, “o Facebook Live, que Mark Zuckerberg descreveu como ‘uma câmara de TV no seu bolso’, pode difundir vídeos ao vivo simultâneos, a partir de qualquer pessoa com uma conta no Facebook e uma conexão Internet suficientemente rápida”.
A questão que se põe agora às redacções é a de “quanto devem investir nas suas próprias equipas de tecnologia, em vez de usarem as ferramentas e técnicas desenvolvidas para elas pelo Facebook ou o Google”. Emily Bell falou com os executivos de várias empresas noticiosas, e o que eles dizem é preocupante:
“O que vai acontecer, se não tivermos cuidado, é que os únicos tecnólogos a quem vamos continuar a dar emprego são aqueles que sabem proceder à integração, na sua plataforma, de tudo aquilo que a empresa noticiosa está a fazer.”
Outro foi ainda mais pessimista:
“O que é que as companhias tecnológicas fizeram, além de tornarem o jornalismo pior? Há poucos anos, programas interactivos e gráficos, notavelmente inventivos, estavam no topo das listas com maior número de visitas nos sites noticiosos. Já não é possível encontrar essa criatividade hoje, porque eles não funcionam com os Facebook Instant Articles.”
Ou, como admitia um tecnólogo com conhecimento dos valores e motivações dos intermediários de Silicon Valley, esclarecendo os jornalistas presentes num encontro da Online News Association:
“Eles não são vossos amigos. Só estão interessados em crescimento e dinheiro e, assim que as notícias estiverem dependentes deles, vão fechar a torneira e começar a cobrar.”
O texto de Emily Bell, na íntegra, no site da CJR, a que pertence também a imagem.