Novos modelos jornalísticos ou inovar por conta própria
Apesar da crise económica global, não se pode reduzir a crise dos meios de comunicação social espanhóis a uma questão meramente económica. O salto tecnológico da última década alterou os hábitos de consumo de informação e de entretenimento dos espanhóis.
Os professores C.W. Anderson, Emily Bell e Clay Shirky avisaram que "já não existe tal coisa como uma indústria da informação”, uma vez que os elementos que serviam para definir o sector tinham desaparecido. Tudo tinha mudado, principalmente aos messias que deixaram de ser apenas “audiências”.
Para combater a crise, a maioria das empresas espanholas recorreu a um método drástico para reduzir os custos: o despedimento de um grande número de jornalistas.
Durante a primeira fase da crise - 2008 a 2014 - os jornalistas espanhóis criaram cerca de 454 meios de comunicação, segundo um censo realizado pela Associação de Imprensa de Madrid (APM). Muitas destas empresas foram apenas uma tentativa e a maioria não sobreviveu.
Contudo, existem meios de comunicação que procuraram dar resposta aos novos desafios informativos e conseguiram desenvolver um modelo de negócio diferente do comum jornal digital.
O desenvolvimento tecnológico, as mudanças legais, as alterações de padrões de consumo e do comportamento dos cidadãos devido ao aparecimento das redes sociais, deram origem a novos desafios aos quais os profissionais tentaram dar resposta através do desenvolvimento de diferentes modelos jornalísticos.
Dos modelos que surgiram destacam-se a verificação das informações, o uso de mecanismos de transparência, a contextualização das informações, o jornalismo de dados e a visualização.
A verificação da informação surge como resposta a um fenómeno de grande impacto a nível social: a desinformação. Com o aumento exponencial de entidades interessadas em distribuir conteúdos facciosos e com o enorme volume de informação que circula nas redes, surgiu a necessidade haver uma maior dedicação à verificação de informação. Assim começam a surgir os “fact checking”.
Segundo a co-fundadora da Maldita (site pioneiro de verificação), Clara Jiménez, "uma coisa é o que os jornalistas pensam que as pessoas estão interessadas e outra é o que as pessoas estão realmente interessadas; o que eles pensam que os espanhóis falam, e o que eles realmente falam".
Para os responsáveis do site de verificação, existe uma ferramenta muito útil: as comunidades. "É preciso formar comunidades que queiram entrar no buraco que é agora o Whatsapp e, a partir de dentro, negar as fraudes e tentar evitar que estas se tornem virais", disse Julio Montes num Laboratório de Jornalismo da APM dedicado à comunicação política e à desinformação.
Maldita.es não é o único exemplo de um projecto de verificação promovido por jornalistas. Em Barcelona, no passado mês de Abril, nasceu a Verificat, um projecto em que um grupo de jornalistas se associou ao Preceito- empresa de tecnologia que criou as plataformas YouCheck (para conectar jornalistas e especialistas) e MemeCheck (para verificar memórias que circulam nas redes) - e ao StoryData - dedicada ao jornalismo de dados.
Segundo Eli Vivas, da StoryData, "o trabalho de verificação pode ser realizado pelos media. O problema está no facto de que, muitas vezes, estão associados a correntes políticas ou ideológicas específicas, o que vai contra a neutralidade necessária para realizar este trabalho, o que é mais fácil a partir de projetos independentes".
Existem outros projectos de informação, cujo objectivo é proporcionar aos cidadãos mais informações sobre situações do quotidiano. Contudo, esses projectos são mais difíceis de classificar de acordo com os padrões clássicos do jornalismo, tal como a Fundación Ciudadana Civio que se enquadra entre o jornalismo e o activismo.
A Civio define-se como uma organização independente, sem fins lucrativos, que vigia as autoridades públicas e informa todos os cidadãos com o objectivo de atingir uma transparência real e efetiva nas instituições. Estes sites têm o propósito de contextualizar a informação e distribuir a mesma. Alguns recorrem a aplicações ou bots que realizam a análise diária de determinados conteúdos.
A Datadista é outra iniciativa com uma abordagem de transparência, que desenvolveu várias peças que começaram em 2016 sob o título Cuadernos de la Corrupción. Segundo a definição dos responsáveis pela plataforma, o objetivo era criar "um jornalismo baseado na investigação, análise e explicação da realidade que nos rodeia", através de dados e narrativas que nos permitam sair do ruído da abundância de informação.
Outro exemplo de modelo alternativo é a revista 5W, que tenta substituir o ruído pela música, como referem no seu site, e para isso criaram uma "revista internacional de fotografia e crónicas com um compromisso radical com a profundidade, narração, explicação, imagem e som".
A 5W consiste numa página web, na qual se fornece parte da informação e numa revista anual, com o mesmo título, em papel, com capa dura e mais de 200 páginas, que é, de passagem, uma das fontes de financiamento do projecto.
Os temas tratados na 5W reflectem a sua abordagem editorial, dedicada à informação internacional, como em "A luta curda pela sobrevivência", "Argélia: o início de uma nova era sem Buteflika", "Salte para o vazio e continue a caminhar", sobre as caravanas de migrantes da América Central ao norte, ou "Os mortos que me habitam", que reflecte o drama dos naufrágios no Mediterrâneo e recebeu o Prémio Ortega y Gasset 2019 de melhor reportagem ou investigação jornalística.
O elemento inicial que definia o projecto era o fotojornalismo, depois foi-se alargando e, actualmente, os temas da revista estão disponíveis em audio e podcast, vídeo, gráficos, animação.
Há ainda lugar para outras plataformas que se dedicam ao debate de informações politicas, como é o caso do Polibot, que começou como uma experiência pouco antes das Eleições Gerais de 2016, com o objetivo de cobrir a campanha eleitoral.
A ideia foi promovida por um grupo de profissionais, incluindo jornalistas, cientistas políticos, developers e designers gráficos, e procurava fornecer informações sobre questões políticas, económicas e sociais específicas através um aplicativo móvel no qual o utilizador escolhia os aspectos que mais lhe interessavam.
A informação no Politibot assume muitas formas: textos informativos, dados, gráficos, links para artigos relacionados com os temas propostos. A equipa Politibot está a trabalhar numa segunda fase do projecto.
Esta lista de "novos modelos jornalísticos" também apresenta alguns modelos mais clássicos, como o jornalismo de dados. As primeiras iniciativas surgiram há cerca de 7 ou 8 anos, com a criação do grupo de trabalho de jornalismo de dados no MediaLab Prado em Madrid ou com a organização dos First Data Journalism e Open Data Days em Barcelona e Madrid.
Posteriormente, as informações jornalísticas desenvolvidas a partir do conteúdo das bases de dados transformaram-se em projetos concretos. Mesmo os meios de comunicação social como o El País ou o El Confidencial foram equipados com unidades de jornalismo de dados.
Uma revisão das fontes de financiamento dos diferentes projetos independentes, consultados para o artigo, mostra que os projetos de verificação, transparência e contextualização são inovadores, não só em conteúdo, mas também em termos de financiamento.
Ao contrário do sector dos meios de comunicação social tradicionais, que está maioritariamente dependente de publicidade e de vendas para se financiar, estes projectos optam por financiamentos diversos, nos quais existem frequentemente patrocinadores, acordos de colaboração, crowdfundings, ajuda de instituições, entre outros.
O facto de serem pequenas organizações confere a estes projectos uma maior capacidade de adaptação às circunstâncias, mas também mais susceptíveis face às mudanças no ambiente.
O certo que a busca por novos modelos de negócio para o jornalismo continua.
Mais informação em Cuadernos de Periodistas.