Não podemos criar realidades paralelas causadas pelos algoritmos…
“O problema” - como afirma o autor - “é que estamos ficando mais sensíveis ao contraditório, mesmo que o grau de discordância seja mínimo”. No fundo, todos temos tendência para procurar “o que é mais próximo dos nossos gostos”:
“Até na vida real costumamos ter mais convívio com conteúdos e indivíduos próximos das nossas ideias e afinidades, mas, no mundo fora das telas dos computadores, as ‘bolhas’ são mais fáceis de serem furadas.”
Na vida real vemos realidades diferentes e damo-nos conta de que “o mundo não é o grupinho do WhatsApp ou a timeline do Facebook e do Twitter que nos prende durante boa parte do quotidiano. Lá fora é que nos damos conta da complexidade dos agrupamentos e em boa parte dos ambientes entendemos que nem tudo é como a gente deseja e nem todos têm o mesmo estilo de vida e de personalidade por causa de diferentes factores de convivência, repertórios e ensinamentos”.
“Infelizmente, está sendo comum ver grupos parecidos, com discordâncias mínimas, brigarem entre si, com ambos tentando impor suas ideias de forma beligerante. Já é possível observar o fenómeno da formação de ‘bolhas’ dentro dos próprios grupos, que passam a se dividir e formar subgrupos com alto grau de intolerância entre seres humanos com ideais parecidos e pequenas diferenças.” (...)
Em sociedades governadas por coligações de partidos diferentes, “os debates mais quentes fazem parte da rotina e devem continuar fazendo, pois são importantes para os contrapesos da democracia”:
“O problema é que, no ambiente virtual, a cultura do confronto, da distorção e imposição de ideias, vem se tornando regra e, consequentemente, pode acabar sendo modelo para o mundo real. Isso é incentivado pelo excesso de segmentação e de algoritmos das redes sociais.” (...)
Lucas Souza Dorta defende como essencial termos em conta o contraditório, “até para sabermos os motivos de discordarmos ou concordarmos com algo e tornarmos a troca de ideias mais transparente e menos agressiva”, escapando do “excessivo discurso de ódio que contaminou a Internet”:
“O modo caps lock [escrever em maiúsculas] e a gritaria roubaram o lugar daqueles que teriam mais qualidade para acrescentar nos debates, mesmo que fosse de um jeito popular.”
“Essa ‘algoritmização’ da vida está fazendo sucesso na política e são comuns cenas de parlamentares filmando-se em momentos inoportunos em busca de likes. Há o incentivo de ambientes hostis que causam uma interdependência entre o internauta fanático e a figura que fala para seu público por meio de qualquer aplicativo ou aparelho tecnológico.”
“Não podemos criar realidades paralelas causadas pelos algoritmos, porque poderá chegar um momento da humanidade em que não saberemos diferenciar o real do virtual e vamos mentir para nós mesmos em busca da satisfação pessoal. No futuro, há o risco de existir uma distopia com o ser humano enxergando somente o que ele quer ver, distorcendo factos comprovados em nome de alguma paixão ou bem maior.” (...)
O artigo aqui citado, na íntegra no Observatório da Imprensa