Morte e renascimento da objectividade em jornalismo

Segundo os autores, Mark Lee Hunter e Luk Van Wassenhove, o próprio termo desapareceu do Código de Ética da SPJ – Society of Professional Journalists, a mais antiga associação da classe, fundada em Abril de 1909, “embora se tenha mantido o ideal de imparcialidade” [fairness, no original].
Saltando mais de um século para o nosso tempo, “o conceito tem sido profundamente subvertido, tanto pelas redes da alt-right media que levaram Donald Trump até à Casa Branca, como pelos media cativos, como a Russia Today, como ainda pelos media dirigidos por parte interessada, exemplificados por importantes ONG’s”.
Estes novos competidores, da esquerda ou da direita, têm traços comuns:
“Todos floresceram no espaço crescente deixado pelo esvaziamento do jornalismo tradicional [mainstream news media, no original]. Nenhum deles está grandemente preocupado em ser ‘imparcial e equilibrado’ [fair and balanced, no original] - que era o slogan bizarro da Fox News até 2017 - muito menos neutral. O que mais lhes interessa é ganharem as guerras que consideram importantes.”
“Mudança semelhante é agora visível em The New York Times e The Washington Post, que evoluíram no sentido de se tornarem escudos e faróis para a ‘resistência’ americana.”
“Ao mesmo tempo, o Times apregoa o seu próprio trabalho por meio do slogan - “Verdade - é agora mais importante do que nunca.”
“De facto é, mas, antes de Trump, a proposta de valor era que os jornalistas, em primeiro lugar, procuram acesso a várias fontes, que contam as suas próprias verdades, e depois justapõem estas versões da realidade. Em teoria, isso permite aos leitores chegarem à sua própria verdade.”
“Nós somos dos que pensam que o Times e o Post estão a fazer o que é necessário e correcto, e ficamos felizes por serem premiados por isso, com aumentos de audiência e de receita. Mas nunca tínhamos imaginado que, no tempo das nossas vidas (que inclui o Watergate), os dirigentes desta indústria iriam tornar-se jornais de oposição. Mesmo o que era chamado o adversarial journalism dos anos de 1970 nunca se tornou uma marca oficial.”
O artigo que citamos menciona depois vários estudos recentes que apontam a tendência de uma valorização crescente, por parte de muitos leitores, de jornais com “posições fortes”. Mas permanece um traço de objectividade na “insistência em que os factos devem ser verificados; tendo sido uma posição ética, a objectividade tornou-se um procedimento técnico focado no rigor. Isto reflecte a nossa capacidade, em crescimento rápido, de procurar e verificar a informação ”. (...)
“Infelizmente, a objectividade para com os factos - aceitando factos de que mesmo os nossos amigos não gostam, ou expondo factos que era suposto ficarem na sombra - já não nos dá um aspecto neutral. Vejam a Hungria, onde o apoio de George Soros aos media independentes foi considerado por Viktor Orban como uma arma. Dizer a verdade ao poder faz de nós inimigos públicos, segundo Trump e, na Arábia Saudita, parece ser um crime capital.” (...)
“Seja qual for a sua verdade objectiva, os factos não falam por si mesmos. É preciso alguém que lhes dê significado e impacto, e é isso que o nosso público precisa e espera de nós. É também isso que estão a fazer os nossos adversários, com cinismo e com sucesso, dizendo os únicos factos que apoiam as suas ambições.”
“Não temos de nos tornar como eles para reconhecer que nunca mais voltamos a ser ‘objectivos’, excepto no sentido crucial de procurarmos verdades verificadas. Temos de tornar claro o que defendemos [what we stand for, no original] e de que modo.”
O artigo aqui citado, na íntegra na Global Investigative Journalism Network