Memória de um escândalo revelado: os “Pentagon Papers” no “Diário Popular”

A primeira pergunta podia ser esta; os censores não eram sensíveis ao paralelo de situações? Francisco Sarsfield Cabral explica:
“Tudo o que era política nacional era altamente censurado, mas os temas internacionais não. Um dos assuntos mais na berra naquela altura era precisamente a guerra do Vietname, até porque ainda havia serviço militar obrigatório nos EUA. Nós tínhamos o problema do Ultramar e das colónias e os EUA tinham a guerra.” (…)
“Só o Diário Popular publicou partes do relatório cá. Os outros jornais não estavam muito interessados nisso na altura, ainda que cá dependêssemos muito dos americanos. Que eu me lembre, a censura não chateou nada. Nem o assunto foi muito discutido cá, apenas vagamente. Não havia correspondentes estrangeiros ou havia poucos e sabia-se pouco do que se passava lá fora. Nem sequer sei se houve negociações entre o Washington Post e o Diário Popular para publicar as traduções. Se isto teve algum impacto cá foi porque também nós tínhamos uma guerra colonial sobre a qual não se devia falar. Não foi um impacto explícito. Para nós, o Watergate foi muito mais importante, até porque aconteceu depois do 25 de Abril.” (…)
“Mas o que achei mais curioso foi mesmo o facto de a censura não ter criado quaisquer problemas, sendo que normalmente criava.” (…)
Sobre a noção que teria da importância e da gravidade do que estava em causa nos documentos revelados, Francisco Sarsfield Cabral afirma:
“Eu estava consciente da fuga extraordinária de informação que estava em causa, mas não estava consciente dos dramas jurídicos e éticos por que o New York Times e o Washington Post estavam a passar. Ao fim de dois números com revelações estrondosas, o New York Times ficou proibido de publicar mais artigos sobre o assunto. Aí, Katharine Graham [herdeira e gestora do Washington Post, interpretada no filme por Meryl Streep] mostrou uma coragem fantástica, mas eu de facto não percebi isso na altura.” (…)
Fazendo uma reflexão sobre os meios necessários para um jornalismo de investigação desta envergadura, e comparando com a situação actual, o seu comentário é pessimista:
“Se fosse hoje, duvido que o Watergate tivesse acontecido, por falta de recursos por parte do Washington Post. Em Portugal é igual. O problema da nossa comunicação social é sobretudo um problema de falta de dinheiro, que resulta em falta de pessoas e de tempo e que torna a nossa investigação fraca. Ainda há obviamente pessoas a fazer investigação, mas são poucas e cada vez menos.” (…)
Testemunho de Sarsfield Cabral em Opinião neste site e entrevista aqui citada, no Expresso online