Marçal Grilo: instabilidade política é mais aparente, mas pode tornar-se mais real
Marçal Grilo, orador convidado do mais recente jantar-debate da série promovida pelo Clube Português de Imprensa, em parceria com o Centro Nacional de Cultura e o Grémio Literário, organizou a sua palestra na forma de uma análise SWAT ao País, repartida pelos quatro tópicos usados neste modelo.
Começando pelo das fragilidades, falou da queda demográfica e, logo a seguir, do sistema eleitoral, que depois mencionou também no tópico das ameaças, e pelo mesmo motivo: o do “afastamento dos eleitores em relação aos eleitos”, implicando “um ainda maior distanciamento entre o que se passa na vida política” e a sociedade no seu todo.
Colocou no capítulo das fragilidades o sistema bancário e financeiro, incluindo “o sistema de regulação, designadamente o próprio Banco de Portugal”. Mencionou, a seguir, “um sistema económico que é muito diversificado, mas muito frágil; são 280 mil empresas, a maior parte delas, cerca de 98%, micro ou pequenas e médias empresas; apenas quatro mil exportam mais de um milhão de euros por ano, e dessas 280 mil apenas 860 se podem considerar como grandes empresas.”
Quanto à situação política, Marçal Grilo declarou-se “um grande defensor do diálogo ao centro; falta hoje esse diálogo ao centro, penso que é uma grande fragilidade do País, e temos aquilo que se pode chamar a ausência de uma visão de futuro.”
Incluiu ainda no capítulo das fragilidades “uma grande tradição de dependência do Estado”, o desinteresse de grande parte da população pelo conhecimento e pela cultura e o facto de gostarmos mais de estar do lado dos problemas do que do lado das soluções:
“Aliás, eu acho que há três tipos de pessoas em Portugal: os que estão do lado dos problemas, os que estão do lado das soluções, e há um terceiro grupo, em que eles são mesmo o problema.”
Marçal Grilo começou o capítulo sobre os pontos fortes sublinhando o facto de sermos um País com 873 anos, com uma história, uma cultura, “todo um povo com uma enorme capacidade, um fundo, um lastro muito significativo”. Acrescentou aqui a nossa pertença à União Europeia e à NATO, “duas áreas em que eu julgo que o País tem um grande consenso nacional”.
Prosseguiu com a referência à estabilidade política, já citada, e disse: “A Constituição poderá eventualmente vir a ser novamente revista. Foi revista em 82, em 89 e em 92, e poderemos ter necessidade de olhar novamente para ela, mas não me parece que seja a Constituição o ponto nevrálgico em que assentam os nossos problemas, e eu coloco a estabilidade política do lado dos pontos fortes.”
O orador salientou, a seguir, o dinamismo de alguns grupos empresariais, a melhoria significativa da qualificação média dos portugueses e a existência em Portugal de quadros muito qualificados:
“O País conhece mal as Universidades e os Politécnicos que tem, mas as Universidades portuguesas nada devem às grandes Universidades europeias; já não falo daquelas 20, 30 ou 40 Universidades americanas que, de facto, têm uma liderança em termos mundiais, mas, em termos europeus, as nossas Universidades têm hoje uma enorme capacidade de formação.”
Ainda dentro deste tópico, mencionou a grande capacidade de adaptação dos portugueses, o clima, a gastronomia, a hospitalidade e os outros vectores positivos que fazem de Portugal um bom destino turístico.
No capítulo das ameaças, e tendo começado pelas do sistema eleitoral e eventual instabilidade política, já citadas, Marçal Grilo falou da corrupção, das derivas extremistas e do terrorismo, sublinhando que esta não é “apanágio de um país, mas de toda a Europa”.
Prosseguindo a reflexão sobre o velho continente, afirmou:
“Esta ideia do There Is No Alternative, que a Europa tem que seguir toda no mesmo caminho, é uma ameaça - ou seja, deveríamos tentar encontrar na Europa vozes, ou voz com a qual nos possamos identificar, no sentido de criar alguma alternativa a esta Europa que neste momento domina completamente o pensamento, designadamente na área da economia.”
Ainda sobre a economia, referiu como ameaça “o declínio dos países que são o destino das nossas exportações” e o eventual “falhanço das actuais políticas económicas - ou seja, o consumo como forma de crescimento pode ser uma ameaça ao próprio desenvolvimento; numa economia muito pequena e muito aberta, o aumento do consumo pode levar–nos a um desequilíbrio externo grande.” (...)
O orador fechou este capítulo falando de uma última ameaça, que é “o desmoronamento do projecto do euro e do próprio projecto europeu.”
Passando, por fim, ao tópico das oportunidades, Marçal Grilo colocou em primeiro lugar o tema do mar, “não em termos do surf, nem da pesca, nem dos portos, nem das rotas marítimas, mas sobretudo pela plataforma continental”, que considerou, a médio prazo, por motivos geográficos e estratégicos, uma oportunidade a que o País devia prestar mais atenção.
Falou do desenvolvimento turístico e voltou ao tema do ensino superior, defendendo “a internacionalização das Universidades, e tornar a Universidade portuguesa um produto de exportação, quer no que respeita à atracção dos estudantes estrangeiros, quer à atracção para Portugal de centros de pesquisa, de desenvolvimento e tecnologia associados às Universidades.”
Sobre a necessária “diversificação das exportações e dos países de destino”, voltou a falar da questão do modelo económico assente no consumo interno, que colocara no capítulo das ameaças:
“O crescimento, ou se faz com base nas exportações, ou não se faz; ou se faz exportando mais, produzindo mais e poupando mais, ou então nunca será devidamente sustentado: para o ser, temos que aumentar a produção, temos de ser capazes de exportar mais e de poupar mais.”
Terminou com referências à necessidade de “aproveitar como oportunidade a diáspora portuguesa, que pode ter uma enorme importância na vida do País; o anterior Presidente da República fez um grande esforço nesta área, e penso que o actual PR o fará também.” Mas sublinhou que este esforço não cabe a um único órgão de soberania, mas deve ser de todo o País.
Marçal Grilo mencionou, por fim, o necessário empenhamento diplomático em várias direcções, dando prioridade ao reforço das relações com os países da CPLP, com a China e outros.
No período de perguntas que se seguiu, estas e outras questões foram colocadas por vários dos presentes, o que proporcionou um debate vivo e esclarecedor com Marçal Grilo.