Jornalismo “travestido” põe em causa a profissão
Como diz o autor, “esse cenário pode ser descrito como aquela situação em que, usando linguagem mais popular, o roto passa a apontar os defeitos do maltrapilho”:
“Não parece haver, em geral, uma preocupação maior em apresentar peças jornalísticas mais elaboradas, observando os princípios que norteiam o trabalho jornalístico tanto no que concerne ao aspecto técnico como, principalmente, à observância dos valores éticos.”
“A actividade jornalística no Brasil, actualmente, por consequência dos procedimentos adoptados, nos remete a um panorama bastante semelhante às narrativas expostas por Nick Davies em seu livro ‘Vale tudo da notícia’, obra em que são exibidas as piores mazelas do jornalismo britânico. Assim como aconteceu nos casos mostrados por Davies, o público está sendo ‘brindado’ com uma enxurrada de notícias e ao mesmo tempo não se sabe exactamente como se forjaram essas matérias jornalísticas.”
Aquilo que João Somma Neto critica é a “banalização” do jornalismo por escutas, “invasões de dispositivos eletrónicos de comunicação individual e privada, tráfico de influências, relação promíscua com fontes qualificadas e desqualificadas de informação, geralmente anónimas, pagamento pelo acesso a dados, espionagem em altos e baixos escalões”:
“A investigação competente e necessária há algum tempo deixou de ser imperativa no jornalismo nacional, cedendo espaço para apurações rasas, sem consistência, baseadas com frequência em fonte única, sem busca de confirmação das informações obtidas, sem contextualização, resultando em um trabalho por vezes preguiçoso e sem o senso de comprometimento do jornalista profissional para com a sociedade.” (...)
Como afirma adiante, “ao reflectir, com o intuito de avaliar criticamente, como está sendo exercido o ofício jornalístico, sobretudo em nosso país, chega-se à lamentável conclusão de que o jornalismo propriamente dito está morto”:
“Foi assassinado por aqueles que deveriam zelar por sua vida, pelos profissionais dos meios tradicionais, pelos que actuam alternativa e virtualmente com seus sites, blogs, fanpages, canais audiovisuais ou com que instrumento tecnológico for e mais ainda pelas grandes empresas de comunicação.”
“O colectivo jornalístico nacional está jogando no lixo, sem nenhuma possibilidade de reciclagem, todo o cabedal de princípios e pressupostos éticos e técnicos, os quais deveriam necessariamente servir de norte para o trabalho socialmente útil e responsável. Isso reflecte directamente no público, na sociedade, acarretando cada vez mais o decréscimo vertiginoso de credibilidade, desembocando no crescimento das fake news e boatos e provocando prejuízos sociais graves, quando não irreversíveis.”
Citando vários autores, docentes de comunicação e jornalismo, cujas obras indica no final do seu texto, João Somma Neto sublinha a importância da “contextualização” como disciplina fundamental do jornalismo, criticando, em consequência, a “descontextualização proposital, ou mesmo involuntária, que propicia a publicação de qualquer coisa, menos de produtos jornalísticos de qualidade”.
A concluir, afirma:
“Daí não haver condições, a partir desse jornalismo praticado, de florescer o debate saudável, da proposição de argumentações mais ou menos lógicas, nem mesmo a disposição de se ouvir explanações construídas e apresentadas de forma democrática e respeitosa. Ao invés disso, esse tipo de jornalismo fomenta o rancor, as avaliações odiosas, o apego incondicional à verdade de cada um, ou de cada grupo, ou de cada unidade sectária socialmente presente.” (...)
O artigo aqui citado, na íntegra no Observatório da Imprensa.