Jornalismo digital enfrenta as mesmas dores que castigam a Imprensa

Aconteceu muita coisa em dois anos. Como conta a autora, em Dezembro de 2016, John Peretti, o carismático fundador da BuzzFeed, dirigia aos seus 1.400 trabalhadores um relatório anual em que manifestava alguma frustração depois de as eleições presidenciais terem demonstrado a quantidade de “conteúdo enganoso e de má qualidade que circulava online”.
“O seu próprio site tinha revelado alguns dos maiores casos do escândalo de fake news que tinha envolvido o Facebook. Mas o remédio de Peretti não era a regulação, ou a punição do Facebook, mas a preocupação de que a velha guarda dos chamados meios de referência também tinha culpas.”
“As empresas dos media foram demasiado lentas na mudança para o digital” - escreveu. “Agarraram-se à imprensa e à emissão, mesmo quando era claro que as audiências estavam a mudar-se para outro lado. Isto significa que os orçamentos para um jornalismo de qualidade continuam focados nos sítios errados, criando um vazio que está a ser preenchido pelos conteúdos mais baratos que é possível, muitas vezes de fontes duvidosas.” (...)
Agora, o Inverno “brutalmente frio” de Janeiro trouxe “consequências selvagens para os editores digitais, incluindo BuzzFeed”, com o despedimento de 15% do seu pessoal, “uma perda de cerca de 220 postos de trabalho em todos os departamentos, incluindo na muito admirada redacção de Nova Iorque”. Também a Vice, outra empresa de media de crescimento rápido, anunciou o despedimento de 10% dos trabalhadores, enquanto a telefónica Verizon, que detém o Huffington Post e a Yahoo, cortava 800 postos de trabalho no departamento de media.
“Muitos destes despedimentos desenrolaram-se ao vivo pelo Twitter, com os jornalistas a descreverem o modo confuso e até desastradamente cruel como foram dispensados. Os repórteres da Vice souberam dos seus despedimentos e até tiveram as suas contas de e-mail canceladas pouco antes de serem informados pelas empresas que estavam entre o número das vítimas.” (...)
Segundo Emily Bell, “o primeiro erro da maior parte dos editores digitais foi o de imaginarem que as grandes plataformas, e especialmente a Google e o Facebook, tinham algum interesse sério em ajudá-los a manterem o seu negócio”:
“A quantidade de dados que as grandes plataformas recolhem e controlam permitem-lhes oferecer uma publicidade muito mais eficiente do que qualquer editor, e o negócio de tornar lucrativo um conteúdo online já vem armadilhado contra qualquer pessoa que queira dirigir mesmo uma redacção de poucos recursos com repórteres experientes.” (...)
“Não foi por intenção deliberada que Google, Facebook, Twitter e outros esvaziaram o depósito de publicidade que sustentava o jornalismo, mas também não estavam especialmente preocupados [em saber] se os editores iam sobreviver ou falir. O BuzzFeed tinha uma relação quase de simbiose com o Facebook, colaborando em projectos e ajudando-o a promover as suas ferramentas junto de outros editores. Mas há relatos que sugerem que, depois de ter ajustado o seu algoritmo no sentido de despromover o noticiário, o tráfego do Facebook para BuzzFeed e outros sites caíu de modo dramático.”
Emily Bell conclui:
“O futuro do jornalismo vai ser, de modo geral, de menor dimensão e mais exigente a curto prazo, e permanece incerto a longo termo. No entanto, o problema tornou-se agora tão evidente que mesmo os mais avançados pensadores digitais o podem ver: o mercado livre digital para o jornalismo não funciona.”
O artigo aqui citado, na íntegra em The Guardian