Jornais e Juízes discutem o direito à privacidade e a judicialização da política

O artigo de Roy Greenslade descreve um conflito típico dos tablóides britânicos: o Sun on Sunday foi intimado, por mandado do Supremo Tribunal, a não identificar uma celebridade envolvida num encontro sexual a três. O que pode ser surpreendente é que teve aliados em jornais semelhantes e concorrentes, como o Daily Mail, o Daily Mirror, mas também no Daily Telegraph e até no Times.
O Daily Telegraph põe a culpa numa lei do tempo de Tony Blair, que teria a pretensão de “proteger legalmente, como uma relíquia, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos”; pede que ela seja alterada e critica os juízes por usarem inadequadamente “uma lei má, para usurpar um direito do Parlamento e tomar o poder de amordaçar os media”.
O Times faz um raciocínio mais elaborado, mas concluindo que a privacidade já não pode ser protegida na era da Internet e que, finalmente, não é dela que se trata neste conflito, mas sim da liberdade e do controlo em democracia.
O Sun diz que não compete aos juízes “decidir o que é de interesse público, ou se isso é diferente daquilo em que o público está interessado”. Mas Roy Greenslade não está de acordo, e confia, de facto, em que “os juízes tomam decisões mais sábias, sobre o direito à privacidade, do que os editores”.
O artigo de José Natanson recorda o princípio da evolução jurídica que parte dos países de tradição liberal, em que o Poder Judiciário começou por “proteger a liberdade num sentido negativo, ou seja, a liberdade individual e a propriedade privada”.
Recordou depois um fenómeno comum aos países da “terceira vaga de democratização”, citando de passagem a Espanha, Portugal e, “num processo não contínuo, a Argentina”, onde, depois de décadas de ditaduras, “a sociedade começou a depositar nos ‘juízes liberais’ a esperança de uma rápida correcção dos abusos autoritários de uma classe política que ainda se considerava contaminada pelo autoritarismo e populismo do pasado”.
“O problema surge - diz mais adiante - quando os juízes ultrapassam a estrita protecção dos direitos, quando o seu papel de ‘legislador negativo’, no sentido de anular decisões consideradas inconstitucionais, passa a ser o de ‘legislador positivo’, quando, ao invés de controlar as leis, passam a moldá-las.” (...)
“Talvez o problema central resida no facto de que a judicialização não resolve, mas adia os conflitos. Mais do que uma consequência da ânsia de protagonismo dos magistrados, a judicialização é, na maioria dos casos, uma reacção à dificuldade que têm os dirigentes e os partidos em encontrar respostas: como afirma Arrimada, é um resultado do silêncio da política.” (...)
A concluir, afirma José Natanson:
“Isto porque, se os juízes ganham poder, então a reacção natural dos políticos será tentar influenciá-los. São as duas faces da lua: a judicialização da política leva à politização da justiça.”
O site do Observatório da Imprensa e os artigos originais, no Guardian e em Other News