Jorge Sampaio começou por descrever o momento que vivemos nos seguintes termos: “No ano em que se assinala o quadragésimo aniversário de Abril e em que, todos sabemos, Portugal e a Europa estão numa encruzilhada, não nos podemos furtar a olhar para trás, para o que fizémos e conseguimos, para o que ainda não fizémos e não conseguimos e, assim, traçar um rumo de longo prazo e dotarmo-nos de uma visão estratégica sobre o futuro de Portugal, que renove a confiança em nós próprios como nação e como povo.”

 

Sublinhou a importância do “debate plural de ideias”, realçando: “A democracia é precisamente  - deve ser -  o regime político que gera alternativas, permitindo assim o gozo da liberdade e de os cidadãos gerarem opções, formularem essas mesmas alternativas e suscitarem mudanças.”

 

Passando às questões postas no título temático  - “Portugal: que Estado, que Sociedade, que Soberania?” -, Jorge Sampaio propôs citar alguns passos de uma publicação muito recente, de José Manuel Félix Ribeiro (“A Enonomia de uma Nação Rebelde”), a qual, como disse, “tive o prazer de apresentar há uns dias, e me parece especialmente estimulante e fecunda”.

 

O referido autor define o momento actual como “particularmente grave para Portugal”, afirmando que, por um lado, “a sua aventura europeia termina numa quase bancarrota” e, por outro, que o País se encontra “numa situação de menoridade insuportável”.

Passando a comentar o livro citado, Jorge Sampaio acrescenta que há nele “uma razão principal  - e devo dizer que concordo -  responsável por este duplo resultado negativo  -  a da centralidade da opção europeia, que foi, de resto, consubstancial à democracia portuguesa. (…/…) Mas daqui resulta uma primeira conclusão, de carácter inequívoco: não se pode pensar Portugal sem pensar na Europa. E por isso, ao tríptico inicial  ‘Portugal: que Estado, que Sociedade, que Soberania?’, há que acrescentar:  Que Europa?”

 

Sobre a evolução do projecto europeu e os choques entretanto verificados, Jorge Sampaio voltou a citar o livro de Félix Ribeiro, destacando quatro:

“Primeiro, a adesão à União Económica e Monetária de Portugal, o qual desta forma deixou de poder contar com a desvalorização da sua moeda, que até então fora um instrumento-chave de regulação económica e de atractividade;  em segundo lugar, a adesão da China à OMC em 2000 que, segundo as suas palavras, ‘representou um choque externo de primeira grandeza ao acelerar a transformação da China na grande periferia de baixos salários no conjunto da economia mundial’;  em terceiro lugar, o alargamento da União Europeia aos países do leste da Europa; e em quarto lugar, a quadruplicação do preço do petróleo durante a primeira década de 2000.”

 

Como acredita Jorge Sampaio, “daí a Portugal se ter tornado uma economia inviável, foi só um passo”, potenciado pela “conjugação e interacção desses choques externos e de preferências e opções estruturais internas” e, também, pela evolução do próprio modelo europeu: “Importa sublinhar ainda que as três crises simultâneas que atravessam a zona euro  - a crise generalizada de perda de competitividade e de fraco crescimento, a acumulação de riscos nos sectores bancários e a crise de dívida pública -  se interligam na Europa do Sul, levando a que estes países tenham ficado simultaneamente mais expostos e vulneráveis ao impacto violentíssimo da luta sem quartel pelo comando e controlo futuro da zona euro entre a Alemanha, a França e também a Itália.”

 

“Portugal, Espanha, Grécia e a Irlanda têm vindo a desempenhar uma função imprescindível na UEM  - a de absorver os primeiros ataques do mercado quando estes se aperceberam das fragilidades intrínsecas do euro-light -  sem deixar que o contágio atingisse o núcleo central da UEM e endividando-se junto de instituições europeias (e do FMI) para poderem desempenhar essa função  -  e para, ao mesmo tempo, continuarem a funcionar.”

 

Passando ao debate sobre o que fazer, Jorge Sampaio afirmou que “no mundo globalizado e em rede que caracteriza o nosso tempo, não há soluções solitárias nem isolamentos possíveis”.

 

E prosseguiu: “No plano da União Europeia, é minha convicção de que deveríamos fomentar activamente o desenvolvimento de uma estratégia negocial, conjunta com outros países, destinada a forçar o tratamento futuro do stock de dívida externa, contraída nas condições excepcionais do período pós-2009, por forma a que levasse à mutualização parcial de dívida por parte da União Europeia. Sei que isto é muito discutível, mas é também a minha posição.”

 

O antigo Presidente da República pôs em contraste os números recentes (à data do discurso) que retratam os “factos preocupantes” da nossa situação actual com aqueles que mostram o progresso obtido nestas décadas. Falou do facto de a emigração estar a superar a imigração, havendo, entre os emigrantes, não só desempregados de longa duração ou jovens sem perspectivas em Portugal, mas “um número cada vez maior de profissionais que tem como ambição consolidar uma carreira internacional”.

 

Pelo lado positivo, mencionou um facto “que impressiona muito as audiências estrangeiras nos sítios que tenho andado a percorrer nestes últimos seis anos”:

“Quando eu andava na Universidade, nos idos dos anos 60, éramos, na melhor das hipóteses, cerca de 50 mil. À data de 25 de Abril a população universitária rondava os 60 mil  - actualmente contam-se cerca de 380 mil estudantes.”

 

Jorge Sampaio falou, a seguir, das “responsabilidades insubstituíveis” do Estado, como a de “promover a coesão social”, ameaçada pela “persistência de um modelo de desenvolvimento desfasado das exigências da nova economia, a que se associam um padrão de riqueza fortemente inigualitário e grandes assimetrias territoriais”, bem como pelas “fragilidades e lacunas” do sistema de protecção social. Falou ainda do problema do “envelhecimento da população”, pela “conjugação do aumento da esperança de vida com a diminuição dos nascimentos”.

 

A concluir a sua intervenção, disse Jorge Sampaio:

“A sociedade portuguesa precisa de reforçar os seus instrumentos de compromisso, precisa de abrir a sociedade política a muito mais pessoas, que estão interessadas em intervir, do ponto de vista intelectual, associativo, cívico. Precisamos de fazer ligar as redes sociais a uma intervenção mais clara e de reformar, com certeza, os partidos políticos. Todos os partidos, em geral, precisam de uma abertura que os reconcilie com a vida dos cidadãos e com a vida portuguesa. (…/…) O decréscimo da votação nacional nas eleições é crescente, de modo que os partidos se arriscam a representar uma espécie de vácuo, que é precisamente o daqueles que já não se interessam por manifestarem uma opinião  - e isto é gravíssimo para a consistência e a democratização permanente de um país.”