Doutrina e métodos da “guerra santa” contra os jornalistas

Christophe Deloire, o secretário-geral de Repórteres sem Fronteiras, disse a este respeito: “Como o massacre no Charlie Hebdo mostrou, estamos a entrar num período em que esta ameaça se tornou global. Não será possível proteger os jornalistas - e por extensão todas as populações do mundo - a menos que haja um esforço total de combate às ideologias do ódio que frequentemente têm apoio estatal. A preservação da liberdade e independência dos meios de comunicação é claramente um desafio fundamental para o futuro da humanidade.”
O relatório “Jihad contra os Jornalistas” inclui um documento especial, os “Onze Mandamentos” destinados aos jornalistas e promulgados pelos militantes do Daesh, em Outubro de 2014, na província síria de Deir Ezzor.
O primeiro estabelece que “Os jornalistas têm de jurar obediência ao Califa Abu Bakr al-Baghdadi. São súbditos do Estado Islâmico e, como tal, é requerido que jurem lealdade ao seu Imam”. A maior parte de todos os outros expõem diversos modos de exercer um controlo censório muito explícito, citando sempre a necessidade de o jornalista consultar, para qualquer coisa, o media office do Estado Islâmico. Nos poucos casos em que isso não é exigido, todos os textos e fotos têm de ser identificados com os nomes dos autores, que serão desse modo responsabilizados.
O quarto mandamento estabelece que os jornalistas “não têm qualquer direito de trabalhar com os canais de televisão colocados na lista negra dos que combatem os países islâmicos, como a Al-Arabiya, a Al-Jazeera e o Orient. Os transgressores serão responsabilizados”.
O relatório cita um especialista no “jihadismo”, Romain Caillet, que trabalhou com o Institut Français du Proche Orient e foi expulso do Líbano no ano passado: “Os jornalistas que escrevem contra o Estado Islâmico (Daesh) são considerados soldados inimigos e, portanto, alvos para serem eliminados.”
O relatório dos RSF diz ainda:
“Jornalistas que estão apenas a fazer o seu trabalho são por vezes acusados pelos governos de estarem a divulgar a propaganda extremista. Cumplicidade com os terroristas, a defesa das suas acções ou até mesmo a espionagem a favor deles, encontram-se entre as acusações lançadas contra os jornalistas na Síria, na Somália, Egipto e Mali, com base no combate ao terrorismo. Foi este o caso de Simon Ateba, um jornalista dos Camarões que foi acusado de espiar para o Boko Haram por ter ido ao campo de refugiados nigerianos de Minawao, no norte do país, para fazer a cobertura das condições no local. Foi também o caso de Can Dundar, editor do jornal turco Cumhuriyet, detido desde Novembro por ter publicado provas de saída de armas turcas para o norte da Síria.”
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A organização Repórteres sem Fronteiras divulgou igualmente, no final do ano, a actualização dos números de vítimas, contando 67 jornalistas mortos em todo o mundo no exercício da sua profissão (eram mencionados 63 em Novembro), de uma lista total de 110 profissionais que perderam a vida em situações pouco claras. Além desses, também morreram 27 autores de blogs e outros sete colaboradores de meios de comunicação social, elevando para 787 o número de profissionais de comunicação mortos na última década.
O Iraque lidera a lista (nove confirmados de 11 possíveis), seguido da Síria (nove confirmados de dez possíveis), ambos palco de conflitos armados e com a presença do grupo extremista Estado Islâmico (EI). A França subiu ao terceiro lugar (oito vítimas), após o atentado terrorista contra a redacção do jornal satírico Charlie Hebdo, em 7 de janeiro. A relação segue com o Iémen, o Sudão do Sul, a Índia e o México.
Ao contrário do que aconteceu em 2014, a maioria das vítimas neste ano era jornalista local (97%) que trabalhava fora de zonas de conflito (64%). No ano passado, a maior parte dos 66 jornalistas mortos foi assassinada em áreas de guerra.
A Repórteres Sem Fronteiras também recordou que dois dos jornalistas assassinados este ano são mulheres: a francesa Elsa Cayat (que morreu no ataque jihadista contra o Charlie Hebdo), e a somali Hindia Mohamed, vítima da explosão de um carro bomba pela milícia Shebab, no dia 3 de dezembro.
Dados da RSF divulgados há duas semanas indicam ainda que neste ano 54 jornalistas foram sequestrados - um aumento de 34% em comparação com 2014; e 153 presos - queda de 14% na comparação com o ano anterior.
Os reféns encontram-se na Síria (26), Iémen (13), Iraque (10) e Líbia (5); enquanto os presos estão sobretudo na China (23), no Egito (22), no Irão (18) e na Turquia (9). Os 66 restantes estão presos pelo resto do mundo.
Mais informação no site de RSF, incluindo o relatório "A Jihad contra os Jornalistas"