Dos “apóstolos da certeza” ao jornalismo de dados

O autor descreve o modo como, depois do 11 de Setembro, “queria contribuir de alguma forma para tentar pensar sobre o que estava acontecendo na América”:
“Fiz isso até 2003 e depois voltei para a pós-graduação, porque estava interessado na maneira como o jornalismo estava mudando. E também o que significava tantas pessoas podendo participar nos media e como isso estava transformando o jornalismo.”
Na Universidade de Columbia, encontrou uma comunidade profissional de jornalistas “que não se importava com a audiência”.
“A questão agora é que talvez isso tenha ido longe demais: os jornalistas estão muito dependentes de clicks ou de métricas e tomam muitas de suas decisões por causa dessas coisas. Por outro lado, é importante que os jornalistas saibam o que a audiência quer e o que precisa para ser informada. Qualquer jornalista que afirma que não precisa de saber o que o público quer ler está se iludindo.”
“Mas o jornalismo, como categoria profissional, precisa de tomar decisões por si mesmo a respeito do que considera importante. É isso que faz uma comunidade profissional. É um grupo de pessoas que possui uma certa quantidade de conhecimento e, então, pode decidir por si mesma o que é importante. O jornalismo como comunidade profissional está altamente ameaçado. E isso é um problema, porque é importante que os jornalistas sejam profissionais.”
“Então, não acho que clicks e métricas sejam terríveis para o jornalismo. Mas acho que, na medida em que contribuem para uma maior desprofissionalização dessa ocupação tão importante, podem ser parte de uma tendência negativa. A resposta curta seria: jornalistas devem saber o que o público pensa, mas não devem tornar-se escravos disso e têm que continuar pensando sobre o que a audiência precisa.” (...)
C.W. Anderson faz a comparação entre o que designa como jornalismo “de elite” e o que se faz na News Corp, de Rupert Murdoch, na Austrália, lembrando que uma sua doutoranda lhe contou que “eles eram totalmente regidos por clicks, completamente governados por métricas de notícias”:
“Mas se você conversar com algumas pessoas no The New York Times ou no The Guardian, elas dirão - ‘bem, não, nós não somos assim, nós usamos as métricas como uma das muitas outras coisas e nós certamente não estamos vivendo nesta cultura do click’.” (...)
O seu propósito declarado, nesta como noutras áreas, é o de “combinar etnografia e história - não história de cem anos atrás, mas história de dez anos atrás. Porque a forma como as redacções eram em 2009 é muito diferente do que são em 2019. As mudanças foram muito rápidas. A ideia era: e se combinássemos uma perspectiva histórica com uma perspectiva etnográfica? Assim, podemos observar como o caminho da redacção ou o caminho do jornalismo muda à medida em que passa pelo tempo.” (...)
“Certos aspectos do jornalismo de dados são mais parecidos com o que eram há cem anos do que há 50. Isso porque a nossa compreensão dos dados mudou e nossa compreensão do que entendemos por dados mudou. A ideia de big data levou a muitas mudanças também. De certa forma voltei um pouco ao passado para entender o presente.” (...)
Sobre o Relatório do Jornalismo Pós-Industrial, escrito com Emily Bell e Clay Shirky, explica que “foi em grande parte baseado em entrevistas, um pouco de análise de conteúdo de diferentes redacções e relatórios”:
“Também tivemos um grupo de discussão que trouxe diferentes profissionais da indústria para Columbia e fizemos conversas com quatro ou cinco pessoas ao mesmo tempo. Mas era mais um relatório do que um trabalho académico, diria. Escrevemos para académicos, mas também para jornalistas e publishers.”
“A ideia, quando escrevemos o relatório, era de que o jornalismo pós-industrial é um estado de coisas caótico e muito instável, ao contrário do jornalismo industrial, que era relativamente estável, pois as formas de fazê-lo estavam relativamente definidas. E eu acho que a mudança que vamos ver agora é que o jornalismo pós-industrial acabará sendo como o jornalismo antigo, ou seja, ele se estabilizará.” (...)
“Dito isso, se você me perguntasse há um ano qual seria o novo modelo, eu provavelmente teria dito BuzzFeed ou Vice. Mas eles também estão passando por enormes dificuldades. Então, talvez o caos dure mais tempo do que eu pensava, porque pareceu-me há dois ou três anos que estávamos começando a ver alguma estabilidade.” (...)
Sobre as diferenças entre o jornalismo praticado nos Estados Unidos e noutros países, nomeadamente o Brasil, C.W. Anderson afirma:
“O problema nos Estados Unidos é que o jornalismo lá tradicionalmente tem sido muito local, historicamente porque a América é muito grande e também devido à sua natureza federalizada, na qual as decisões são tomadas localmente. Por causa disso, o jornalismo tem sido local e não há um modelo de negócios para os jornais locais nos EUA, quero dizer, parece que não existe ainda.”
“Então a questão lá é: o que vai acontecer com o jornalismo local? O jornalismo nacional é apenas Trump o tempo todo, é o mais recente escândalo político que explode e se torna notícia por 48 horas.” (...) Acho muito difícil para a Imprensa nos EUA saber o que fazer quando ela se torna alvo de um tipo particular de ataque político.”
“Trump fez da Imprensa americana o seu inimigo. E suspeito que o novo Presidente brasileiro fará o mesmo, ou já fez. A questão é como você responde. (...) Você pode responder dizendo - ‘não, nós não somos o inimigo, somos apenas jornalistas objectivos fazendo o nosso trabalho’, o que eu acho que é a escolha errada. Ou você diz que - ‘na medida que o Presidente é contra ideais democráticos básicos, nós somos seus inimigos’.”
“Isso é diferente de dizer que vamos tomar partido, que vamos apoiar os Democratas, Liberais ou o Partido dos Trabalhadores.”
Em última instância, segundo C.W. Anderson, todos os investigadores perseguem “uma grande pergunta que levará algumas décadas para ser respondida”. Interpelado sobre qual é a sua, responde:
“Minha grande pergunta é: como sabemos o que sabemos para operar como cidadãos democráticos? E que tipos diferentes de profissões nos dizem o que sabemos e como nos dizem o que sabemos de diferentes maneiras? Essa é a minha grande questão.”
“Como sabemos o que sabemos, o que não quer dizer ‘existe uma realidade?’, mas descobrir como diferentes tipos de instituições e pessoas operam de uma forma liberal democrática, como elas interagem. E o jornalismo é uma dessas instituições, uma das principais.”
“Mas também a Academia e seus vizinhos, suas redes sociais. Então o jornalismo é realmente importante, mas também uma das coisas sobre minha própria pesquisa é que o jornalismo nunca foi o único foco. E considero isso um problema para os pesquisadores de jornalismo, eles se importam demasiadamente - e somente - com o jornalismo.” (...)
“Não é incrível a quantidade de estudantes que querem fazer jornalismo e não gostam de conversar com pessoas? Todo ano isso me choca. Eu acho que a chave para ser jornalista é que você tem que gostar das pessoas. E isso é uma das coisas torna a etnografia e o jornalismo semelhantes.”
“Em última instância, muitos académicos não gostam de pessoas também. A Academia é uma boa carreira se você não gosta de pessoas, porque pode ir à biblioteca e trabalhar sozinho. Mas se você quer fazer pesquisa etnográfica você tem que ser diferente, como um jornalista deveria ser.”
A entrevista aqui citada, na íntegra no Observatório da Imprensa do Brasil