Vem tudo a propósito de um artigo publicado na Visão, assinado por Clara Soares – jornalista e psicóloga, portanto alguém que pode ver os dois lados do problema. O seu trabalho começa por descrever o princípio do dia de cada um de nós, “antes mesmo de abrir a caixa de correio electrónico”. Ainda estamos na fase de separar “correio prioritário e secundário, mensagens pessoais e profissionais”, e não tarda nada interrompemos tudo “porque chegaram mais cinco mensagens: uma pela rede interna, outra via Messenger, duas SMS e uma chamada telefónica que entretanto não foi a tempo de atender, e ainda bem, porque era de telemarketing”... 

Quando estamos a perder a batalha das actualizações necessárias, lembra-nos a nossa memória pessoal de tudo o que não chegámos a tratar no dia anterior, “coisas que ficaram na lista por fazer, seja elencada mentalmente ou em papel ou, lá está, na agenda ou calendário móvel”. Podemos escapar?

A resposta é ambígua. Talvez possamos, mas por pouco tempo. Aquilo que nos é proposto pelos programas de Digital Detox é “desligar” por períodos controlados e “domesticar” os aparelhos em nossa legítima defesa. Assim como fazíamos “sair e tornar a entrar” com os computadores antigos, quando “crashavam”.

E já existe uma indústria à medida destas boas intenções. Por exemplo, a que nos permite deixar o telemóvel em casa mas levar uma peça de adorno (pode ser até uma jóia cara) do tipo wearable tech  - que não vai tocar alto, mas tem modo de nos alertar com aquelas “notificações” realmente importantes.

É batota? Talvez. Mas vale a pena conhecer a experiência feita por Kate Unsworth, CEO de Kovert Designs (que fabrica esse tipo de adereços connected jewelry) e organizou uma viagem de 35 outros CEO’s e empresários a Marrocos, com quatro dias passados no deserto  -  bem acampados mas... sem telemóveis de qualquer espécie. E sem lhes dizer que no grupo iam cinco neurocientistas para fazer o relato dos seus comportamentos, “quando ligados e desligados”. O balanço final de Kate Unsworth é que muitos deles declararam o propósito de mudarem de hábitos, passando a desligar-se da tecnologia à noite e nos fins-de-semana.

Voltando ao artigo do início, Clara Soares defende a capacidade de dizer ‘não’ e propõe: “Coloque os seus equipamentos ‘na ordem’, nem que seja por uma módica meia hora. Vai ver que consegue saborear melhor algo que há muito deseja fazer.”

Randi Zuckerberg (irmã do fundador do Facebook), hoje com a sua própria empresa, e Eric Schmidt, da Google, encontram-se entre os que já admitiram publicamente a necessidade de fazer períodos on e offline. E uma psicóloga e terapeuta norte-americana com experiência de acompanhamento de Digital Detox, Yvonne Thomas, propõe esta disciplina:

“Procure ter pelo menos uma hora, antes de dormir, sem qualquer estímulo digital, para poder desligar. Durante este período digital-free, procure ligar-se a si mesmo, por meio de reflexão, consciência ou meditação. Para além disso, não admita aparelhos digitais perto de si durante a noite, a menos que seja imprescindível.”

Não é pedir muito.