Debate sobre “notícias falsas” espicaçou os jornalistas…
Rogério Christofoletti aponta ao dedo às vulnerabilidades de várias iniciativas lançadas no seu país, reconhecendo que podem ser projectos bem intencionados, “com profissionais comprometidos e com nítido interesse público”, mas fragilizados à partida, ou por falta de base financeira, ou por ausência de uma definição clara de que determinada notícia é mentirosa.
Num dos casos citados, o projecto de fact-checking “Prova Real”, no Estado de Santa Catarina, lamenta que, “no final das checagens, o Prova Real reproduz o contraponto de quem foi checado. Assim, a última palavra não fica com a equipa checadora, mas com a fonte cuja declaração foi questionada”. (...)
E afirma, mais adiante:
“Se estamos mesmo em guerra contra as notícias falsas, hesitação, receio, medo ou ‘bom-mocismo’ não vão nos ajudar a vencê-las. As dificuldades são muitas para quem quer soterrar informações erróneas e fazer prevalecer as que têm correspondência com factos e dados.”
“Notem que a própria noção de fake news é complicada, e vem sendo revista por quem se dedica a pensar sobre o assunto. Claire Wardle, do First Draft, critica a expressão, dizendo que ela não dá conta da variedade e complexidade do fenómeno: não são apenas notícias falsas, há paródias e outras formas de manipulação. Por isso, ela aponta para o que chama de ‘ecossistema de desinfirmação’.”
“O jornalista britânico James Ball, autor de Post-Truth: how bullshit conquered the world (Pós-verdade: como a besteira conquistou o mundo), evita a expressão fake news e adota bullshit, que poderíamos traduzir como besteira, bobagem, e que sinaliza para algo além das mentiras e boatos. Segundo Ball, não são apenas os políticos a espalharem o lixo por aí. Os velhos media, os novos media, empresas especializadas em produzir material enganoso, redes sociais, plataformas digitais, pessoas comuns, todos ajudam a borrar as fronteiras entre verdadeiro e falso. E serviços de checagem de dados, sozinhos, não solucionarão a questão.” (...)
“Neste sentido, eu vejo com muita desconfiança quando iniciativas de fact-checking ou de promoção de qualidade jornalística são patrocinadas por gigantes da tecnologia, como Facebook e Google. Faz parte do modelo de negócio dessas plataformas gerar, impulsionar e fazer circular os conteúdos com alto potencial viralizante, não importando se eles são verdadeiros, ambíguos ou falsos. Quantos mais cliques, melhor. Quanto mais reacções e compartilhamentos, maior o alcance desses materiais, mais pessoas terão acesso aos seus conteúdos, e a grande roda estará girando, distribuindo centavos aqui e ali.” (...)
“Sejamos francos: plataformas como Facebook e Google não querem acabar com as fake news. Se quisessem, estimulariam conteúdos de qualidade em detrimento de falsidades, mas não fazem isso porque fake news e bizarrices são mais virais que matérias jornalísticas ou informativas.”
“Se quisessem acabar com as fake news, as plataformas restringiriam a dispersão indiscriminada e mudariam seus próprios modelos de negócio, abrindo mão das vantagens financeiras vindas da publicidade mentirosa, da confusão, das manipulações e apelações. Em outras palavras: elas se beneficiam com as besteiras, com a desinformação.” (...)
E a concluir:
“A declarada guerra contra as notícias falsas exige mais de profissionais e organizações jornalísticas. Se quiserem mesmo se contrapor ao ecossistema de desinformação, precisarão capacitar equipas, aprimorar procedimentos de apuração, contratar jornalistas especializados e desenvolver ferramentas e sistemas próprios para desmentir e desmascarar falsidades. Precisarão assumir o protagonismo de certificação dos factos, refinando seus critérios editoriais e investindo maciçamente em coberturas de qualidade. Não poderão terceirizar suas funções mais básicas de verificação e checagem.”
“Terão que afastar o medo, o marketing e a hipocrisia, e eleger a coragem e o compromisso com o público para produzir jornalismo de qualidade nítida e cristalina. É só a credibilidade do sistema jornalístico que está em jogo. Só.”
O texto aqui citado, na íntegra, em ObjEthos, cuja ilustração também reproduzimos