Debate conclui que Portugal não está imune à “febre das notícias falsas”
O que os estudos relativos a Portugal nos indicam, segundo Ana Pinto Martinho, é que os portugueses estão, efectivamente, preocupados com as questões do que é verdadeiro ou falso na Internet e com o jornalismo de má qualidade.
Para além das medidas que estão a ser tomadas por instituições nacionais e europeias sobre esta matéria, citou o livro “Os Elementos do Jornalismo”, cujos autores, Bill Kovach e Tom Rosenstiel, juntam um décimo elemento aos nove “elementos do jornalismo” originais: “os cidadãos também podem e devem participar nesse esforço de combate à desinformação, nomeadamente abstendo-se de criar informações falsas, verificando notícias que recebem e abstendo-se de partilhar aquilo que for duvidoso”. (...)
Para João Garcia, jornalista e antigo director da revista Visão, um dos problemas é que “as mentiras são sempre mais interessantes que a realidade e essa é uma das razões porque se propagam tão facilmente; outro problema é que existe hoje uma menor disponibilidade das pessoas para receber informação credível”. (...)
Por isso mesmo, aconselha os meios de comunicação social a não embarcarem na tentação de prestarem demasiada atenção às redes sociais, pois ao fazê-lo estão a legitimar uma “conversa de vizinhos” – deu o exemplo da deputada fotografada a pintar as unhas no Parlamento – que devia ficar fora do âmbito de atuação dos media sérios. (...) João Garcia advoga um regresso à essência do jornalismo como forma de combater a desinformação e proteger o regime democrático. (...)
Manuel Carvalho, director do Público, considera que boatos, mentiras e notícias falsas sempre houve. “O que é novo é a escala industrial com que as tecnologias de informação e comunicação e os algoritmos permitem propagar e amplificar essas mentiras. Isso sim, é altamente preocupante e assustador para a democracia.” Para Manuel Carvalho, é inevitável que as notícias falsas cheguem em força a Portugal, provavelmente já nas próximas eleições legislativas. “Não nos iludamos quanto a isso”, afirma.
“Por detrás deste problema está, segundo o director do Público, uma crise de valores e uma dissolução do nosso empenho colectivo nos processos democráticos que é tanto causa como consequência do que está a acontecer.” (...) “Os media têm uma função social e valores profissionais de que não podem abdicar. O negócio dos media foi e continua a ser a verdade. E esse negócio, acredita Manuel Carvalho, continuará a ser rentável no futuro.” (...)
Pedro Santos Guerreiro, director do Expresso, trouxe ao debate “vários exemplos de notícias falsas que circulam sistematicamente acerca do seu jornal e que, por mais que o Expresso tente eliminá-las, subsistem e ressurgem de tempos a tempos. Ou seja, o problema não existe apenas nos EUA e é premente também em Portugal”.
No fundo, pergunta Pedro Santos Guerreiro, “a quem interessa que o contra-poder dos jornais seja fraco senão ao próprio poder?”
“Ao denegrirem a imagem dos media e ao quebrarem a relação de confiança destes com os leitores, as redes sociais estão na prática a favorecer os poderes que os media têm por missão controlar e fiscalizar. (...) As redes sociais transformaram-se num espaço público de agressividade e cinismo onde grassam a manipulação e os valores anti-democráticos.” (...)
Miguel Pinheiro, director do Observador, evocou o Emir do Dubai para introduzir o tema das fake news. Quando começaram a aparecer no Dubai, sobretudo relacionadas com a família real, o Emir anunciou que ia ser ele próprio a proteger os cidadãos dessas falsidades. Afinal, ironizou Miguel Pinheiro, “quem melhor que o Emir do Dubai para proteger os seus cidadãos” das notícias falsas?
“Tenham muito cuidado quando alguém diz que vos vai proteger das notícias falsas” completou o director do Observador dirigindo-se directamente à audiência. ‘Devemos ser nós próprios a tomar decisões’, reforçou. Para Miguel Pinheiro, “o Estado não é árbitro da verdade, a não ser em regimes ditatoriais”. (...)
Na realidade, concluiu o director do Observador, voltando-se de novo para audiência, “o que eles estão a fazer é a lutar pela vossa cabeça e por qual é a verdade dentro da vossa cabeça!” (...)
A reportagem na íntegra, no Observatório Europeu do Jornalismo