Na sua intervenção, Augusto Mateus começou por se referir à “primeira grande fragmentação económica, entre os locais de produção e os locais de consumo”, ocorrida no princípio do séx. XX, depois ao período da produção de massa, para consumo de massa, mais tarde à revolução digital, com a introdução das tecnologias de informação e comunicação.
"Tudo isso permitiu a flexibilidade, uma mudança radical da nossa economia. A economia hoje começa onde sempre devia ter começado, nas necessidades humanas e sociais. E  economia é a propósito de responder com eficiência e com rapidez a essas necessidades, não é a propósito de transformar recursos em produtos. Durante muito tempo as empresas produziam e os consumidores compravam. Hoje não é assim. Hoje os consumidores estão dentro das cadeias de valor, na parte final dessas cadeias, e são eles que combinam bens com serviços, cada vez mais, para fazerem o que chamamos produtos  -  mas são eles, não são as empresas."  (.../...)

Sobre o modo como estas mudanças se repercutiram na realidade portuguesa, Augusto Mateus afirmou:

“Ora, a tudo isto a economia portuguesa foi passando um bocadinho ao lado. (…/…) Fomos fazendo o nosso caminho, mas muito centrado naquilo que era o nosso passado, os nossos falhanços. Tínhamos negado a educação a grande parte da população, tínhamos que abrir a educação. Podia multiplicar os exemplos. Infraestruturas muito diminuídas, gente sem saneamento, défice de habitação. Cometemos alguns êrros.”  E referiu casos concretos:

“Neste processo todo fomos sempre colocando o acento tónico nas condições e não nos resultados. A renovação da linha do Norte, do caminho de ferro, custou mais do que o novo aeroporto de Berlim. Enterrámos 45 milhões de euros no Aeroporto em Beja (a Espanha enterrou 350 milhões em Ciudad Real).”

“Neste contexto, fomos sendo um pouco atropelados pela realidade. Até à entrada dos novos países nesta nossa União Europeia, Portugal era o país com os salários mais baixos da UE. O salário mínimo na Bulgária é hoje equivalente à diferença entre três cafés por dia entre Lisboa e Paris, e nós queremos, em Portugal, achar que não aconteceu nada...”

Augusto Mateus citou, neste ponto, o exemplo da indústria das cablagens, um trabalho manual em que Portugal perdeu cerca de 25 mil empregos que foram para a Bulgária e a Roménia. Mais adiante, afirmou:

“Esta realidade induziu o golpe final na pseudo competitividade-custo que Portugal tinha. E quando entrámos a sério na União Económica e Monetária  - e fizémos bem, sem batota, Portugal foi com surpresa fundador do Euro, porque cumpriu os critérios de convergência, o que muita gente achava que não seria possível, não nos transforma em heróis, mas teve o seu mérito -  mas nós sabíamos que estávamos a criar um quadro que era muito importante e estimulante para a nossa sociedade, se soubéssemos aproveitá-lo, se nos soubéssemos transformar a tempo e horas… Porque agora os ajustamentos fazem-se sobre a economia real, não se fazem sobre os valores nominais.”   (…/…)

“Todos sabem o nível da dívida pública no PIB  - 128%. Mas o nível da dívida total no PIB são 356%  -  a dívida das famílias são cerca de 80%, e a dívida privada das empresas é superior à dívida pública. Só um economista aprendiz acha que resolve o problema da dívida pública sem resolver o da dívida privada. Só alguém com estas características é que acha que pode capitalizar o sector financeiro sem capitalizar o sector empresarial.”

Depois de desenvolver este ponto, Augusto Mateus afirmou ainda:

“Estamos a falar de uma coisa seriíssima. Primeiro ponto, que não é simpático: nós estamos no princípio do ajustamento, não estamos no fim. Chegámos ao fim do Programa de Assistência Económica e Financeira, mas estamos longe de ter feito o ajustamento. Estamos mesmo (com algumas aspas), numa espécie de experiência de laboratório de capitalismo sem capital.”

Concluindo pela positiva, Augusto Mateus referiu-se a vários exemplos concretos (como o êxito da produção de tomate industrial) de coisas que estão a correr bem na economia portuguesa, e disse:

“Temos mais casos desses, em áreas estranhas, que estão a fazer trabalho bem feito. Há muita coisa interessante em Portugal. Costumo dizer que temos muitas andorinhas, mas não temos Primavera; o nosso problema, verdadeiramente, é conseguir converter estas andorinhas em Primavera.”