Alfabetização mediática antes que a Internet mate a democracia
Jamie Bartlett é membro do Demos, um think-tank britânico não partidário, que procura precisamente estimular um debate político alargado e aberto à procura de soluções. Nesta entrevista, dada à Agência Pública, do Brasil, “fala sobre a radicalização promovida pelo ambiente online, desinformação, campanhas digitais e outros perigos da rede para a democracia”.
Interrogado sobre se o “ambiente polarizado” da Net beneficiou a ascensão de dirigentes como Trump, nos EUA, e Bolsonaro, no Brasil, o autor responde:
“Na minha opinião, esses políticos baseiam-se em frases de efeito e soluções simplistas. E é exactamente isso que funciona nas plataformas de redes sociais. Discursos populistas sempre foram apelativos. Sempre se trata de apelar para o emocional, tratar problemas complexos com soluções fáceis.”
“As redes sociais são excelentes ambientes para amplificar essas mensagens porque não são tratadas como nos jornais, por exemplo. Com as notícias, temos que nos sentar e pensar sobre o que lemos. Não somos guiados por emoções. Mas nessas plataformas, sim. Quando compartilhamos conteúdos, esperamos respostas, curtidas, então é mais provável que publiquemos conteúdos que nos fazem sentir raiva ou animação do que conteúdos profundos e reflexivos.” (...)
Sobre a questão de saber se essa radicalição “é igual para a direita e para a esquerda”, diz Batlett:
“É uma pergunta muito difícil de responder. Eu acredito que o discurso político que funciona nas redes pode ser tanto de direita quanto de esquerda.” (...)
Sobre a desinformação que circula na Internet, o autor afirma que o problema é “o facto de haver diversas categorias de notícias falsas nas redes, e todas elas causam um efeito importante”:
“Na Internet você acha todo e qualquer tipo de informação, verdadeira ou falsa. Há aquelas postadas por meios noticiosos e as que são apenas histórias de pessoas, e também podem ser confiáveis. E há aquelas que são ruins e mentirosas. Ninguém sabe qual é verdadeira e qual é falsa.”
“Então, no que as pessoas confiam quando não sabem no que acreditar, é simplesmente em suas próprias intuições e emoções. Você confia no personagem que você acha que combina mais com você e fala coisas que você acredita. E isso é mais um elemento que beneficia os populistas, porque eles geralmente são melhores em convencer as pessoas.”
“Não é simplesmente a desinformação pela desinformação, é que a informação circula em bolhas. Na rede você encontra dados e estatísticas para embasar qualquer opinião que você tenha. Cada um tem seus próprios factos. E eles não estão exactamente certos, mas na Internet é possível encontrar tanta coisa, que existe informação para o que você quiser, tudo que valide sua opinião.”
“E estar envolvido em tanta informação assim é mais preocupante que as próprias notícias falsas. Por que é isso que faz com que as pessoas não saibam no que acreditar e parem de prestar atenção aos jornais para guiarem-se apenas pelos sentimentos. E é também isso que está tornando os políticos mais radicais, porque ninguém mais tem a autoridade sobre a verdade ou sobre os factos.” (...)
“Qualquer um que perder uma eleição pode dizer que o adversário está usando dados de pessoas indiscriminadamente e manipulando eleitores com publicidade. E isso compromete a integridade de qualquer pleito. Quando você usa essas técnicas, na cabeça das pessoas, isso compromete a integridade de uma eleição.” (...)
Numa entrevista de que este resumo não dispensa a leitura integral, Jamie Bartlett propõe mais controlo democrático sobre “os sistemas que possuem os nossos dados pessoais”, incluindo uma fiscalização do funcionamento dos algoritmos, e uma reflexão assumida por todos os cidadãos sobre o seu próprio comportamento online:
“Que dados estamos criando? Com quem estamos compartilhando? Que plataformas estamos usando? Porque, toda vez que compartilhamos os nossos dados, estamos contribuindo para a sociedade de controlo que vivemos actualmente.” (...)
E conclui:
“Devemos actualizar as legislações eleitorais urgentemente, porque elas estão ultrapassadas. Uma das coisas que eu proponho é que todos os anúncios usados em campanhas eleitorais devem ser publicados em tempo real num banco de dados público para todos verem. Eu acho uma medida importante e fácil de ser implementada. Acho que isso pode aumentar a confiabilidade das eleições.”
“E também precisamos de melhorar de uma maneira geral o sistema educacional, porque nenhum dá a verdadeira atenção para o estudo dos problemas de desinformação, deep fakes, fake news. E as pessoas convivem com isso todos os dias. Portanto, precisamos de uma drástica melhoria na maneira como ensinamos media literacy [alfabetização mediática]. Estamos muito atrasados.”
A entrevista aqui citada, na íntegra, no Observatório da Imprensa. O livro de Barlett apresentado, em The Guardian, por Emily Bell.