“É uma ideia que talvez faça rir, mas a única maneira de lutar contra a peste é a honestidade.” Essas são palavras do médico Bernard Rieux, personagem principal do romance “A peste”, publicado em 1947 pelo filósofo Albert Camus. 

A história narra a chegada e os efeitos de uma peste na cidade de Oran, na Argélia, na década de 1940, relatando as tensões de uma vida ameaçada pela invisibilidade violenta da epidemia.

O franco-argelino Camus, Prêmio Nobel de Literatura de 1957, aborda as diversas reações humanas frente à ameaça na cidade isolada em quarentena, entre elas o medo, o egoísmo mais mesquinho e a irracionalidade que brota em cenários de tanta incerteza e ameaça. 

Quando vivenciamos tempos de pandemia, compartilhamos os assombros daqueles que vivem na cidade de Oran. O desespero que sentimos face à contaminação deixam-nos “pouco à vontade na vida”. Nesse sentido, de maneira geral, o reconhecimento de nossa fragilidade na incerteza em relação ao que virá são os traços distintivos da vida durante a pandemia. 

Juntamente com a  pandemia, vivenciamos, contudo, tempos de “infodemia”, uma superabundância de informações, algumas precisas, outras não, que estimulam os sentimentos mais profundos. 

Na demanda pela segurança e estabilidade, procuramos, constantemente, mais certezas, mais possibilidades de organizar o caótico cenário, seja através das redes sociais, seja através de meios de comunicação. E isso espoleta, ainda mais, a ansiedade.

Ao acompanhar os boletins, com o número de casos suspeitos, de mortos e de curados, criamos mais tensões e expectativas. As notícias falsas e a desinformação podem contaminar o ecossistema informativo. Dados e informações questionáveis podem ser utilizados com o objectivo de estimular reacções ou angariar apoio para algum tipo de posicionamento. 

Para o autor é, então, imperioso aprender a lidar com esse paradoxo. É difícil prever como podemos reagir, mas o fundamental aqui parece ser seguir o conselho de Rieux: ser honesto e cuidadoso, conscientes de que o desespero pode trazer à tona o pior de nós mesmos. 

Um dia, a peste vai passar e a epidemia vai embora. Quando isso acontecer, lembrar-nos-emos do que fizemos e de como reagimos. A melhor expectativa que podemos ter, aqui, é que a epidemia não estimule as nossas reacções mais violentas nem nos entregue ao terror, o que empalidece a nossa razão. Um risco de fundo é que a peste (nesse caso, a metafórica) possa instalar-se sem que nós tenhamos consciência disso.

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