O autor começa, naturalmente situando o problema no contexto brasileiro, mas lembra que o fenómeno é hoje muito mais abrangente, tendo ocorrido no Brexit e na “improvável eleição de Donald Trump”. Não tanto “do ponto de vista das escolhas em si, mas da forma como as pessoas se agarraram a essas escolhas”:

 

“Da voracidade com a qual passaram a defendê-las. Mais ainda, embebidas num caldo turvo que acabou ganhando nomes pós-modernos, como pós-verdade, fakenews, como se fossem necessárias novas definições para a mentira e a manipulação.” (...)

 

A novidade dos últimos anos, que ajuda a compreender este fenómeno, foi “a Internet da conexão permanente, do celular conectado, do acesso fácil que liga em redes (sociais) indivíduos de todo o planeta e faz com que eles se agrupem segundo os seus interesses, gostos, opiniões e similaridades”.

Isto levou ao conceito da “bolha de filtro”, estudado pelo activista político dos EUA Eli Pariser em The Filter Bubble. “No entanto, o problema é bem maior. Os filtros-bolha são apenas um efeito, não a causa”.

“Cada vez mais, nas plataformas digitais, as interacções humanas, das nossas relações de amizade, interesses de consumo a avaliações de crédito e de saúde, têm sido administradas por porções de códigos e peças equivalentes a programas de computador. Eles determinam exatamente o quê e quando vamos ver.” 

“Os anónimos criadores desses algoritmos, certamente bastante versados em linguagens de programação, matemática e ciências correlatas, actualmente concebem-nos de tal forma pretensiosos que chegam a tentar estabelecer, por antecipação, que notícia mais nos interessará, com quem potencialmente teremos mais afinidade ou até que prato provavelmente vamos preferir num restaurante. Mas as ciências das relações humanas, da política à sociologia, não integram o código. São reconhecidos apenas os padrões.” (...) 

“Um algoritmo actuando pode até estabelecer um leque de decisões estratificadas por probabilidades. Mas a sobreposição de algoritmos, com dezenas, centenas de cálculos para a tomada de decisões probabilísticas, fatalmente tenderá a reduzir os grupos que são objetos de decisão a um ou zero. (...) Eis aí o grande problema dos nossos tempos. O acúmulo de decisões baseadas em algoritmos ao longo do tempo fará com que cada vez mais diferentes perfis psicológicos, sociais e políticos sejam agrupados em apenas dois conjuntos.” (...) 

A concluir, o autor recorda que, “em suas palestras e análises, Pariser chama a atenção dos espectadores para a urgente necessidade de pressionarmos as grandes empresas de tecnologia para adopção de novos modelos”: 

“Uma das ideias seria o resgate da figura similar à dos editores, nos meios de comunicação. Como curadores de conteúdo, com background cultural apropriado, diversificado, e um pensamento não binário, talvez fosse possível oferecer, a um público ávido por informação, conteúdo rico o suficiente para contemplar visões mais amplas e complexas do mundo.” (...) 

 

O texto de Jeferson Martinho, CEO da Nova Onda Comunicação, no Observatório da Imprensa