Essa aproximação procura, no fundo, “vantagens para ambas as partes: a revista cria um novo (e nobre) espaço publicitário, ampliando suas fontes potenciais de recursos; a publicidade, por sua vez, vê-se habilitada a operar no espaço de maior visibilidade da revista, além de se beneficiar de uma espécie de sentido do real emprestado pela linguagem jornalística de uma capa”. 

Mas o autor chama a atenção para “o risco da banalização de um espaço editorial tão relevante quanto a capa, a partir de uma invasão enunciativa da publicidade. Não haveria, no emprego desse recurso, uma sobrevalorização do comercial à exposição jornalística do que haveria de mais relevante dentre os assuntos atinentes ao veículo?” 

Guilherme Umeda descreve o procedimento utilizado: 

“Mais do que identificar a revista que se encontra sob o anúncio, o uso de um padrão visual muito próximo àquele de facto utilizado pela revista quer jogar com a verossimilhança, estabelecendo um diálogo tácito entre o mundo conforme descrito (poderíamos até dizer criado) pelo seu conteúdo jornalístico e o seu simulacro.” 

“Na imagem, um mosaico de capas de edições anteriores – todas referentes à Operação Lava Jato ou a suas decorrências – é sobreposta por uma faixa no terço inferior da página. Nela, inscreve-se o título: 'Você já leu muito, está na hora de assistir'. 
Então, abaixo: 'do mesmo criador de Narcos e Tropa de Elite / O Mecanismo / Uma série original Netflix'. Ao lado, o rosto do ator Selton Mello sangra os limites da faixa. Por fim, chega-se no canto inferior direito ao logotipo de Netflix. A divisão entre o mosaico de capas e a faixa é marcada indicialmente pela representação de um rasgo na página.” 

Como afirma, adiante, o autor, “em época de tão acirrada discussão sobre a ‘pós-verdade’, o recurso da sobrecapa publicitária será sempre polémico. Entretanto, os contornos específicos desse caso, no qual se costura o discurso publicitário com uma referência metalinguística ao próprio jornalismo da revista, tornam a situação particularmente problemática.” (...) 

“O título publicitário (‘você já leu muito, está na hora de assistir’) leva a crer que, em substância, o que se lê na revista é o mesmo a que se assiste na série. Ao lidar com tema sensível e passionalizado, O mecanismo evidentemente se cerca, de partida, por polémicas. Porém, o deslocamento dramático da expressão ‘estancar a sangria’ de seu real locutor (Romero Jucá) para outro (João Higino, personagem identificado com Luiz Inácio Lula da Silva), acrescenta carga explosiva à série. As implicações políticas de tal procedimento são óbvias.” (...) 

A concluir, afirma Guilherme Umeda: 

“No fim das contas, confrontamo-nos com duas possibilidades de interpretação desse emaranhado comunicativo: ou há cinismo por parte da produção da série, ao sobrevalorizar a ficcionalização da narrativa no momento em que se vê confrontada com a tendenciosidade política do relato; ou a realidade narrada pelos meios de Imprensa, sugerida como idêntica em conteúdo à série, não passa de ficção. Poderiam ser elementos provocativos na construção estética ou no esforço promocional, mas parecem desastrados em face dos princípios do jornalismo.”

 

O texto citado, na íntegra, no Observatório da Imprensa