A “overdose” mediática servida em nome do “interesse público”

Os autores recordam outros acontecimentos recentes em que foi usado este “jornalismo de corte”, como o anterior “casamento principesco” de 2011 (William e Catherine Middleton), ou “a cobertura indescritível e semelhantemente uniforme do falecimento da Princesa de Gales (Lady Diana) a 31 de Agosto de 1997”.
Citam depois Serge Halimi - cujo livro “Les Nouveaux Chiens de Garde” teve a sua primeira edição precisamente nese ano de 1997 - e que afirmou na altura que “a missão do jornalista consiste em tornar interessante aquilo que é importante, e não tornar importante o que é interessante; o destino de África é talvez menos ‘interessante’ do que as condições da morte da Princesa de Gales, mas é infinitamente mais importante”.
Voltando ao texto que citamos, “para justificar as suas escolhas, as chefias editoriais não hesitam em invocar ‘o interesse’ do público” mas, neste caso, “a cobertura mediática totalmente desproporcionada deste casamento” - como confirmam os próprios media presentes.
Assim, Le Figaro já constatava, em texto anterior ao acto, que, das cerca de 100 mil pessoas esperadas em Windsor para participar nas festividades, muitas seriam turistas estrangeiros, ou simplesmente tentadas a ver passar os recém-casados na carruagem. O mesmo jornal citava uma sondagem divulgada no Reino Unido, segundo a qual “66% dos britânicos não estão interessados pelo casamento de Harry e Megan”. O que não impediu a sua redacção de montar um dispositivo excepcional para seguir a cerimónia, com directos do local e convidados especiais em estúdio, além de chamadas aos seus correspondentes em Londres e Washington.
O texto que citamos menciona ainda Alex Taylor, jornalista britânico recentemente naturalizado francês, que afirmou em tweet: “Segundo uma sondagem, 66% dos britânicos não se interessam de todo pelo casamento real... contrariamente a 100% dos jornalistas franceses, que me deitam por cima um autêntico confetti de mansagens, por estes dias.” (...)
Em última instância, como concluem os seus autores, a “motivação profunda” das redacções que fizeram tantas edições especiais é bem trivial: trata-se da “corrida aos índices de audiência”, que é “o verdadeiro princípio regulador da indústria mediática, como as curvas de vendas dos iogurtes são para a indústria agro-alimentar. (...) Com a qualidade da informação como vítima colateral.”
O artigo citado, na íntegra, no Acrimed