A nossa “pegada” digital pode tornar-se uma fonte de problemas
“Hoje é sexta-feira, 14 de Janeiro de 2010. Só queria dizer: espero muito que ainda esteja viva quando este post chegar.”
Esther Earl, a jovem de 16 anos que o escreveu, sucumbiu a um cancro em Agosto do mesmo ano. Mas a família e amigos receberam a mensagem, com o choque que se imagina, a 18 de Fevereiro de 2011.
A mãe da menina, com quem falou a autora do artigo que aqui citamos, acredita que ela não o redigiu, com aquela marcação de data de envio, como uma espécie de “mensagem póstuma” para os seus próximos, mas para si mesma, manifestando “a sua esperança e desejo de continuar a viver”...
Ela tinha usado um serviço chamado FutureMe, que permite a uma pessoa mandar e-mails a si própria, deixando claro que eram para ser lidos pelos pais, em caso de morte. A mãe, Lori Earl, conta de um deles:
“Essa carta fez-nos chorar, mas também nos trouxe grande conforto, penso que por causa da sua intencionalidade, pelo facto de ela estar a pensar no seu futuro, a clareza com que aceitava quem era e quem esperava vir a ser.” (...)
Ela própria admite a hipótese de, numa situação de morte próxima, programar mensagens semelhantes para o marido e os outros filhos, mas deixando claro quantas tinha redigido e quando iriam chegar, porque de outro modo iriam causar ansiedade.
Agora já há coisas de outra natureza, como as aplicações Replika e a Eternime, que são chatbots de inteligência artificial, capazes de imitar o nosso modo de falar para as pessoas de quem gostamos, depois de termos morrido.
Mas, como explica a autora deste artigo, que citamos de The Guardian, “planear a nossa morte digital não é simplesmente organizar uma agenda de updates para as pessoas de quem gostamos, ou construir um ‘avatar’ de inteligência artificial”:
“Na prática, é uma quantidade de decisões sem graça, a respeito de como apagar as nossas contas de Facebook, Twitter e Netflix; de proteger o nosso e-mail de ataques dos hackers; como entregar a nossa colecção de música aos nossos amigos; como dar consentimento à família para ir buscar fotografias à nossa cloud; e garantir que os nossos segredos online permanecem ocultos nos seus sepulcros digitais.”
“Devíamos pensar com muito cuidado sobre tudo o que confiamos ou alojamos em qualquer plataforma digital” - diz Elaine Kasket.
A sua opinião é que o nosso monte de dados digitais pode causar complicações sem fim às pessoas de quem gostamos, principalmente quando não têm acesso às nossas palavras-passe. O texto conta a história de um homem que, tendo sido escolhido como testamentário pelo pai, antes de falecer, verificou que a lista de palavras-passe que ele deixou já estavam caducadas, não conseguindo sequer abrir o seu computador. A Microsoft recusou-se a facilitar este acesso, por motivos de “privacidade”.
A maior parte das pessoas acha que, tendo feito download de músicas no iTunes, ou de jogos na PlayStation, eles lhes pertencem, mas a maioria desses procedimentos são de uma licença que termina com a morte.
“O que nós queremos fazer e aquilo que a lei nos consente, com a nossa herança digital, podem ser coisas muito diferentes.”
“A regulamentação é sempre muito lenta a acompanhar a tecnologia” - volta a dizer Elaine Kasket. “Isto significa que as plataformas e as empresas como o Facebook acabam por ser elas a redigir as regras.” (...)
Nos Estados Unidos, a legislação recente contida no Data Protection Act 2018 define os “dados pessoais” como referindo-se unicamente a pessoas em vida.
A concluir, Amelia Tait descreve várias situações em que, por esta via da protecção de privacidade, há conflitos passíveis de chegarem aos tribunais.
O artigo aqui citado, na íntegra em The Guardian.