A “missão impossível” dos repórteres árabes de investigação

“Com tantos jornalistas decididos a olhar para o lado, não admira que, seja quem for que deu a ordem de matar Khashoggi, achou que podia fazê-lo [sem consequências]. Por que motivo haviam os jornalistas de se incomodar com uma morte no consulado de Istambul, quando tinham sistematicamende ignorado milhares de mortes no Iémen e noutros lugares?” (...)
“Por consequência, também nós, nos meios de comunicação, somos culpados dessa ordem para matar. Esse acto desprezível, bem como décadas de diplomacia de cheque na mão permitiram que Riade mantivesse aliados e silenciasse as críticas dos media. (...) De cada vez que olhamos para outro lado e deixamos de fazer perguntas, de investigar e revelar, ajudamos a decidir o destino de outra vítima desafortunada. Estamos a envergonhar voluntariamente a nossa profissão.” (...)
A autora aborda, depois, o outro lado deste comportamento, reconhecendo que “não é fácil, hoje, fazer jornalismo em qualquer parte do mundo, mesmo na América, que foi um farol de liberdade de expressão e democracia até à chegada do Presidente Donald Trump; mas nada se compara ao Médio-Oriente em termos de falta de liberdade de Imprensa e do perigo constante em que têm de trabalhar os repórteres”.
“Nestes sete anos desde a Primavera Árabe, a esperança deu lugar a uma profunda desilusão. Como cidadã da Jordânia, tenho visto o recuo dos direitos civis e políticos; como jornalista, trabalho agora sob uma pressão do Estado sem precedentes. Estes anos têm sido também os mais difíceis para a vida dos Repórteres Árabes de Jornalismo de Investigação [ARIJ, na sigla em língua inglesa], à medida que os governos continuam a impor novas medidas sinistras: recusa de informação, censura ou auto-censura dos media, ameaças, prisão e agora até mesmo o assassínio.”
Rana Sabbagh recorda que o Egipto, um país onde a ARIJ tem trabalhado com mais de 100 jornalistas, tornou-se aquilo a que a Amnistia Internacional chama “uma prisão a céu aberto para os críticos”. O esmagamento dos espaços políticos, culturais ou sociais que sejam independentes, incluindo os media, é mais “extremo do que qualquer coisa vista durante os 30 anos do regime repressivo do Presidente Hosni Mubarak”.
“Na maior cidade do Iémen, Sana’a, os rebeldes houtis controlam todas as empresas de media. Os jornalistas são frequentemente ameaçados, atacados ou sequestrados. A Arábia Saudita, o Qatar e os Emirados investiram maciçamente em estações de televisão regionais e jornais pan-árabes que funcionam agora como máquinas de imagem pública.”
“A Síria nunca teve uma Imprensa livre. Mas agora tornou-se o país mais mortífero para os jornalistas, que são apanhados entre o regime e os seus aliados, e os grupos de oposição armados, incluindo os curdos e o Daesh.”
“Mesmo na Jordânia, a favorita do Ocidente, os jornalistas têm de ser membros da Associação de Imprensa Jordana, controlada pelo Estado. Está a ser preparada uma lei contra o ciber-crime, que poderá punir qualquer pessoa que escreva no Facebook ou mande tweets que as autoridades interpretem mal. E 95% dos jornalistas jordanos admitem que praticam auto-censura.” (...)
“Todos os ARIJeans - como se chamam a si mesmos os jornalistas de investigação desta rede - merecem um apoio excepcional e uma medalha pela coragem, integridade e empenhamento com que desempenham a sua ‘missão impossível’ na região mais perigosa do mundo.” (...)
O texto de Rana Sabbagh, na íntegra, na Global Investigative Journalism Network