A “instabilidade periclitante” dos Media e do poder político em conferência de Paquete de Oliveira na AECJ

Paquete de Oliveira começou pela “dimensão siamesa” dos dois conceitos apresentados, dizendo: “Se é verdade que os actores políticos têm nos media o suporte/veículo indispensável para chegarem aos eleitores, aos cidadãos, com as suas propostas, não é menos verdade que media e os jornalistas fazem dos políticos actores preferenciais do seu campo de notícia e opinião.”
Partiu daqui para uma avaliação do “estado de situação” de ambos, por um lado os media portugueses, pelo outro o poder político que temos.
Sobre os media, caracterizou essa situação como estruturalmente “periclitante” ou de “instabilidade comprometedora”. Partindo dos números das tiragens, apresentados pela APCT, notou que:
“Tendo presentes os dados divulgados sobre 2015, com uma tiragem média global de 100 mil exemplares, o Correio da Manhã vende mais que os JN, Público, Sol e Diário de Notícias juntos, globalmente com uma tiragem de de 80 mil exemplares. (...) Aliás, um indicador mistério do investimento feito nos Media e do escondido propósito estratégico dos seus empreendedores é a tiragem dos jornais económicos, que não ultrapassa os 3 mil exemplares. Este indicador da queda vertiginosa das tiragens é, como se sabe, um fenómeno mundial.”
Citou como causas possíveis: “ a) a migração da notícia para os audiovisuais e para as multiplataformas das ditas redes sociais albergadas na NET; b) o domínio da literacia digital sobre a leitura literária tradicional; c) a opção do investimento publicitário por outros suportes de maior distribuição garantida e de maior eficácia.”
Mencionou problemas semelhantes nos media televisivos e, ainda sobre os jornais, concluíu: “Podem ser bom negócio comercial o CM, o Expresso e o JN mas, infelizmente, os restantes lutam por uma sobrevivência.”
Paquete de Oliveira retomou, a seguir, um artigo seu, escrito no Público a 15 de Fevereiro, em que formulava “existirem três sensibilidades dominantes no acto de produção da informação/ opinião, nos media portugueses: uma atitude inconsciente, de actuação de medo, suspeita, sobre os efeitos derivados desta periclitante situação”:
“1) Um sentimento de medo que teme os efeitos sobre os próprios produtores da informação/opinião. Neste caso, o posicionamento dos profissionais é actuar num modo de defesa e afastamento dos perniciosos efeitos sobre as condições organizacionais e individuais que o agravamento dos factores crise/económica/financeira fariam desabar sobre as estruturas do suporte dessa produção de informação/ opinião. O desemprego não é um espantalho ausente das redacções. E gera um compreensível sentimento propagador de medo.”
“2) A produção informação/opinião dominada pela ideologia-mor de que a economia ou as teorias financeiristas são a constelação de pensamento que devem predominar em toda informação/opinião, prescindindo ou pelo menos subalternizando todas as outras variáveis que devem intrometer-se na análise da realidade social, como as sociais, as culturais e até aquelas essencialmente políticas.”
“3) Os produtores de informação/ opinião ao serviço de uma ‘catequização militante’ portadora de valores ideológicos, sejam eles de esquerda ou direita.”
Sobre o poder político, apresentado como “uma hidra com milhentos tentáculos”, Paquete de Oliveira citou Eduardo Lourenço, quando este disse que “as elites portuguesas de suporte intelectual e humano andam afastadas das elites políticas”, e acrescentou que “as lideranças políticas, nestes últimos anos, têm tido as lideranças personificadas em políticos de carreira fabricados pelos próprios aparelhos partidários e principalmente emergidos das Jotas”.
E prosseguiu: “Considero o estado da situação do poder político, também sofredor de uma ‘instabilidade periclitante’, não a partir da formação do dito governo montado numa geringonça, cuja expressão até acho interessante e apropriada; esta instabilidade, para mim, começa desde aquela imagem televisiva que vi, há cinco anos, dos cinco maiores banqueiros portugueses em pose (...) [quando] declaravam (...) que não há outro remédio senão pedir a ajuda externa, entrar na situação de total dependência externa, principalmente sob a tutela das instituições internacionais (C.E., BCE e FMI) e dos respectivos credores.”
“Considero, portanto, que neste período que nos vai levar até as últimas eleições legislativas e presidenciais, o poder político entra num estado de ‘periclitante instabilidade’, com dois estádios distintos: 1) O do Governo sem soberania e aprisionado pela Troika; 2) E o do Governo montado na tal geringonça.”
Sobre estes dois estádios, Paquete de Oliveira definiu o primeiro como o de “um governo ‘acorrentado’, sem respiração e decisão próprias. ”Obedece servilmente – disse - e com exagero cego e desmesurado ao pacto assinado entre PS, PSD e CDS. Obedece a Merkel e a um grupo de chefes burocratas que mandam nos desígnios europeus, explanados em regras puramente financeiras, mas sem qualquer perspectiva política.”
Contou a situação do segundo como a de mais uma profunda “instabilidade periclitante”, decorrente dos seguintes factos:
“Há um partido, ou melhor uma coligação, a ‘Paf’, que ganha as eleições, mas não obtém a soma de votos suficientes para fazer passar na A.R. um seu governo ou um seu programa. Esta situação nova de vencedores- vencidos baralha a ‘inteligência’ política vigente e dominadora, confundindo o próprio Presidente Cavaco Silva. Na barafunda criada, começa a congeminar-se uma conjuntura nova no estigmatizado quadro político. Pela primeira vez, nos quarenta anos de democracia, os partidos de Esquerda (BE, PCP, e PEV) dão um alerta de deixarem de ser apenas simples comparsas contestatários na A.R., mas actores actuantes nas determinações do País. Afinal, há Esquerda e Direita. Os ‘empenhados’ habituais na distribuição do poder executivo do País, redimensionada ao tal arco do poder, acordam em sobressalto. O susto assola o país político e, sobretudo, confunde jornalistas, cronistas, comentadores, líderes dos partidos e de organizações patronais.”
Neste contexto, Paquete de Oliveira diz que seria interessante um estudo das expressões usadas, mesmo por personalidades políticas tidas por recatadas, “tais como vem aí um ‘novo PREC’, estamos perante um ‘golpe de Estado’, ‘cuidado vêm aí os comunistas’. (...)
“Das sombras deste considerado caos pelas forças dominantes no tablado político, emerge então o grande derrotado das eleições, António Costa, e vai seguir o que todos os presentes conhecem até à formação do dito governo-geringonça.”
Voltando ao tema do título proposto, sobre o comportamento dos media nas duas recentes campanhas eleitorais, Paquete de Oliveira sublinhou a primeira das três sensibilidades descritas por si no texto de 15 de Fevereiro:
“A situação geradora de medos inerente à situação débil em condicionamentos financeiros e económicos que, de algum modo, levam a uma ‘colagem’ ao discurso dos actores e autores do poder e seu discurso dominantes (venham eles da Europa ou do situacionismo português). Num tal estádio de síncrese a que aludi no princípio, o ‘bafo geral’ que se inspira porque é transpirado é o discurso de um ‘pensamento único’, sem pistas de alternativa, assumido pela Direita e que esta, em Portugal, capciosamente, quer fazê-lo pertença de uma certa Esquerda radical. Este discurso de pensamento único está sobretudo presente no discurso dos jornalistas e comentadores economistas ou financeiristas, mas que são dominadores na comunicação social. A narrativa preferencial para a cobertura das eleições é de um precavido cuidado a favor dos factores mais garantistas de um processo eleitoral que preserve a tal ‘estabilidade conseguida’ e o bom comportamento face à Europa e aos nossos credores.”
Quanto à campanha para as eleições presidenciais, Paquete de Oliveira sublinhou o facto de ter sido dominada pela ideia de haver um “candidato invencível”. Citamos aqui os primeiros três e o último dos oito pontos com que o autor concluíu a sua intervenção sobre esta matéria:
“Os media interiorizaram, quase que inadvertidamente, a decorrência de uma ‘campanha inútil’: havia um candidato, antecipadamente vencedor; os próprios media estavam ‘cansados’ de um ano de campanha (o tempo quase total das legislativas); dar o facto por consumado, o mais rapidamente possível, era do interesse geral, e representava para eles a execução de um ‘bom serviço público’.”
“Por tudo isto, e reconhecendo a preclara vitória de Marcelo Rebelo de Sousa, quando os media proclamam que o decorrer desta campanha e o comportamento único e pouco habitual daquele que, não fazendo campanha, a comandou, deve constituir um ‘case study’, estou plenamente de acordo. Principalmente para avaliar o comportamento dos media face a fenómenos insólitos e à inserção que estes têm no evoluir da democracia, cada vez mais acusada de ser um simulacro da realidade com que é concebida pelos cidadãos, que lhe podem trazer um futuro que valha ser vivido e exaltado. A responsabilidade dos media no nosso futuro e no sentido de vida a levar está por estudar e tem um projecto por realizar.”
Os dois outros participantes da mesa, Mário Mesquita e José Vítor Malheiros, tiveram também destacadas intervenções, no final da palestra. Houve ainda um período aberto ao público, que foi muito participativo, incidindo sobretudo sobre a questão inicial que a todos preocupa: a da situação presente dos media no nosso País.