O autor começa por afirmar que “o campo jornalístico foi tomado por uma promíscua hifenização  — o hífen de ‘político-mediático’ —  que sugere uma cumplicidade profissional e uma alternância de papéis entre os jornalistas e os políticos, pressupondo-se assim que ambos formam uma classe anfíbia: a classe político-jornalística”. (...) 

“Quanto à anfibologia acima mencionada, o trânsito dos cargos de poder político para os cargos de poder mediático e vice-versa, o panorama dos media, em Portugal, oferece um exemplo extremo, de proporções inigualáveis. Este facto contribui de maneira considerável para a obesidade da ‘opinião’ e do ‘comentário’ políticos de que sofre o jornalismo actualmente. A fragilidade do jornalismo (tanto do ponto de vista económico como editorial) pode ser medida, entre outros critérios, pelo nível de permeabilidade ao poder político.” (...) 

“Esta nova classe mediático-política (e devemos verificar que este nome hifenizado faz hoje parte das representações comuns e das hostilidades de uma vasta camada de cidadãos) colonizou o jornalismo. É ela que está hoje em condições de reivindicar o capital simbólico  — e respectivas contrapartidas reais —  conferido por esse métier que correu mal. Paralelamente, a classe profissional dos jornalistas perdeu poder e autonomia, foi proletarizada, reduzida a uma massa que trabalha para uma ‘indústria de conteúdos’, que é o ramo da actividade produtiva a que os media de massa se conformaram acriticamente.” 

“Como se pode adivinhar, está assim criado um ambiente cheio de tensões: hoje, o mundo dos media é um mundo de desigualdades exacerbadas e de lutas de classes. De um lado, está a oligarquia editorialista que, grande parte dela, sendo exterior, não precisa de pensar o jornal onde escreve ou o canal de televisão onde faz comentário e só tem de se importar com o espaço onde intervém; do outro, estão os jornalistas que não podem deixar de ser responsáveis por um trabalho colectivo, para os quais há cada vez menos tempo, menos dinheiro, menos autonomia.” (...) 

A concluir, António Guerreiro afirma: 

“A dança e circulação frenética de directores e editores, nas principais empresas de comunicação social (em todo o mundo e não apenas em Portugal), devem-se em grande parte ao facto de as funções directivas na esfera editorial terem perdido autonomia em relação aos órgãos de gestão administrativa. E isto não é um facto sem consequências: perante um público esclarecido e atento, o jornalismo entrou num processo de perda de legitimidade e tornou-se permeável a interesses que não são apenas político-ideológicos.” 

“O triunfo de um pragmatismo estrito  — e afinal sem grandes resultados —  em resposta aos desafios que os antigos media de massa hoje enfrentam e a obediência a um modelo que projecta o jornalismo, no sentido mais lato, ao serviço do cliente (e daí a deriva culturalmente populista dos media, mesmo daqueles que têm uma vocação mais elitista, e a cumplicidade com a indústria do entretenimento), retirou ao jornalismo a sua dimensão de projecto cultural. E é por esta ausência que ele se desmorona por todos os lados e se torna um instrumento de implosão e asfixia — e não de vitalidade — da chamada sociedade civil.”

 

O artigo aqui citado, na revista P2 do PúblicoApresentação deste número da revista Electra, no site da Fundação EDP