E afinal, o que é que queremos? Pretendemos um serviço que substitua resmas de papel em pastas-arquivo de cartão por discos, mais moles ou mais rígidos, mas fiáveis, donde possamos sempre reler, reenviar, ou reproduzir em texto escrito, tudo o que nos parece importante, ou estamos desconfiados de que o Big Brother ande aí a “fazer-nos a folha” por tretas que preferíamos apagar com o botão do delete? Escolher é rejeitar. Podemos ter escolha entre as duas coisas?

O jovem repórter Kevin Vaughan, em princípio de carreira, estreou-se com o seu primeiro emprego fixo no Fort Morgan Times, diante de uma máquina de escrever Royal, em Fevereiro de 1987. Dez anos depois, e tendo ainda passado pelo Fort Collins Coloradoan, foi convidado pelo Rocky Mountain News como repórter de temas policiais. “Estive mais de onze anos no Rocky, e acho que podia passar lá o resto da minha carreira  - conta Vaughan -  mas não foi assim; em Fevereiro de 2009 o jornal tornou-se mais uma vítima dos efeitos sísmicos que abalavam a indústria da Imprensa.”

Felizmente foi convidado pelo editor do Denver Post, “e pude continuar a carreira de jornalismo na cidade de que tanto gosto”. Fez um pouco de tudo, incluindo desporto. Já em 2008 fora nomeado finalista para o Pulitzer Prize in Feature Writing. Mas, como conta, nenhuma dessas honrarias significa tanto para si como as que lhe foram sendo atribuídas pelos seus próprios colegas no Rocky, que o elegeram Best Reporter  por três vezes, (em 2001, 2004 e 2005), e Best Writer em 2008.

É aqui que voltamos ao tema do nosso título  - que na reportagem ponto-de-partida é "How to preserve your work before the Internet eats it"... O acidente em que um comboio tinha abalroado, numa passagem de nível, um transporte escolar, tinha sido em 1961, e foi quando trabalhava no Rocky Mountain News, mais de 30 anos depois, que Kevin Vaughan redigiu a série de entrevistas e recolha de testemunhos que lhe valeram, mais tarde, a nomeação para o Prémio Pulitzer.

Ora, segundo conta Kristen Hare, no Poynter.org:  “Na altura em que Vaughan começou a trabalhar no Rocky Mountain News o jornal já tinha um arquivo electrónico. Não se conseguia ver exactamente o aspecto com que a reportagem tinha aparecido naquele dia, mas podia ler-se o texto. E Vaughan guardava cada vez menos coisas. Ele reuniu cópias da sua cobertura do tiroteio de Columbine. Guardou pacotes grandes. E acreditou que o seu trabalho existiria sempre online.”

“Mas quando o Rocky Mountain News fechou em 2009, o website também acabou por desaparecer. Com ele foi-se a série de Vaughan, nomeada para o Pulitzer, “The Crossing”. Esta série, de 34 episódios multimedia, começava em 2007 e contava a história do choque entre um comboio e um autocarro escolar, em 1961, que tinha causado a morte a 20 crianças.”

Foi um trabalho muito difícil, porque tudo tinha mudado no ofício, tanto o terreno como as ferramentas. “Mas foi possível  - conta Kristen Hare -  porque Vaughan ainda tinha os blueprints”  (os planos originais).

Resumindo uma história longa  - aliás muito bem contada na reportagem de Kristen Hare:  “Pouco depois de a série ter sido publicada, o autor começou a receber pedidos de apresentação do trabalho; em 2007, o acesso ao wifi não era garantido. Vaughan pediu então aos técnicos, no Rocky Mountain News, se havia um modo que lhe permitisse fazer a partilha remota da série. E alguém me conseguiu arranjar um DVD” – disse ele.

“Vaughan guardou quatro cópias. Quando o jornal fechou em 2009, levou-as consigo. Guardou três no seu escritório pessoal, em casa, e a outra no Denver Post, para onde foi trabalhar depois, ‘não fosse o diabo tecê-las’ e a sua própria casa ter um incêndio.”

Mas o que ele não imaginava era que o próprio site do Rocky Mountain News também pudesse desaparecer. Quando isso foi verificado, Vaughan mostrou aos colegas, no Denver Post, o DVD que tinha guardado e perguntou-lhes se havia algum processo de reconstruir a apresentação para a Web. “Eles pesquisaram e vieram com boas notícias. A série tinha sido montada usando o HTML4, e o DVD continha o código todo. O edifício tinha-se desmoronado, mas os blueprints tinham permanecido.” 
Quem o ajudou nisto, depois, foi o seu filho Sawyer, que tinha onze anos na altura da primeira publicação, mas era agora engenheiro informático e sabia interpretar tudo o que estava no DVD e convertê-lo para o software actual  (obrigado, a todos os filhotes!)...

Depois foi a parte burocrática, a recuperação dos direitos para poder utilizar de novo, em publicação, e sob o antigo cabeçalho do Rocky Mountain News, a série “The Crossing”  -  em que o seu próprio autor gastou mais uns anos  -  (e isto dava outra reportagem)...

Mas leiam a Kristen Hare, que conclui com alguns conselhos muito úteis aos jornalistas já nascidos na era da Net, e que julgam, muitas vezes, que está tudo garantido na “Nuvem”...

 

Uma última mensagem

 

Às vezes até está, mesmo quando não é do nosso interesse. É aqui que entra a história do jornalista português de quem falámos acima.

João Pedro Pereira estreou-se em 2004, “na era dourada da blogosfera, a escrever sobre media e tecnologia”; em 2006 entrou para o Público, a escrever “sobre temas como direitos de autor na era digital, redes sociais, cibercrime, novos media e dispositivos móveis”. Ele fundou “uma editora de livros electrónicos numa altura em que não havia Kindle ou iPad”, e confessa-se “interessado em explorar o jornalismo digital”. Quem melhor para nos orientar nas “ratoeiras” deste “admirável mundo novo”? 

O artigo dele que aqui citamos, publicado em 2011, começa de mansinho, dizendo que se nunca estivémos no Twitter ou no Facebook, se nunca publicámos um blogue ou um site pessoal, e se não formos uma figura pública, a nossa pegada online deve ser pequena: “Mas existe. Não se esqueça de tudo o que os outros podem publicar e sobre o qual não tem qualquer controlo” (.../...)

Depois começam as surpresas: “Algures no final da década de 1990 criei o meu primeiro site”. Era uma coisa inofensiva, dedicada a um jogo de cartas coleccionáveis, um passatempo um bocado obscuro... “Não há lá nada de verdadeiramente embaraçoso. Mas, se houvesse, ficaria na Internet, por muito que me esforçasse para o remover.”

O problema é que entretanto esqueceu o seu nome de utilizador e respectiva palavra-passe no serviço Tripod, daquela altura, e já não tem forma de recuperar os dados de acesso nem sequer de provar que é o criador do site. “Desisti.”

João Pedro Pereira reconhece que apagar os sites e blogues mais recentes é hoje uma tarefa simples. Mas dá um exemplo que não correu bem:  “Há uns meses eliminei por engano um blogue que escrevi durante três anos (bastaram dois ou três cliques desastrados). Quem for ao endereço depara-se agora com uma página de erro. Mas vestígios deste blogue ainda surgem no Google. E referências aos textos que escrevi estão espalhadas por outros blogues. Faz parte do funcionamento da Internet: pode-se apagar o conteúdo original, mas este está inevitavelmente replicado e espalhado pela rede.”

Passando às redes sociais e ao Facebook (e estamos a citar um texto de há cinco anos), João Pedro Pereira conta:

“Apagar um perfil no Facebook é uma tarefa mais complexa do que guardá-lo. A opção disponível na área de gestão é apenas para suspender a conta. E, se o tentar fazer, o site tem uma estratégia de pressão emocional: exibe fotos suas com amigos, faz questão de dizer que essas pessoas vão sentir a sua falta e ainda apela a que lhes envie uma última mensagem.”

 

Mais informação sobre a reportagem perdida e salva, e o artigo sobre a memória da Internet: