Nas últimas décadas, o jornalismo tem vindo a enfrentar profundos desafios. A digitalização estabeleceu-se como novo obstáculos e passou a ser o principal agente disruptivo, já que, com a transferência das audiências para o “mundo” “online”, o valor económico da notícia diminuiu.
O jornalismo e a imprensa viveram, assim, um período de significativa turbulência, agravada, desde 2008, pelos efeitos de uma crise financeira global que abrangeu, também, os “media”.
O sector, ainda a braços com essa crise, vive, agora, um problema singular, resultante do ajustamento da imprensa ao cenário do coronavírus. Para tentar apurar de que forma as publicações portuguesas se estão a adaptar ao actual panorama, a Associação Portuguesa de Imprensa (API) e o Obercom promoveram um inquérito junto de 42 títulos.
Os dados obtidos, nesta fase inicial, serão calibrados para uma etapa seguinte, que incidirá sobre algumas medidas tomadas pela imprensa e os principais efeitos sentidos no pós-declaração do estado de emergência em Portugal.
De acordo com o relatório, as publicações auscultadas estão já a diminuir o formato das suas edições (número de páginas) e a maioria destes títulos prevê a diminuição do volume de tiragem.
A medida é justificada, apenas, com a contenção de despesas e de recursos, num momento em que grande parte da população está confinada ao espaço doméstico e em que as fontes de receita parecem definhar.
No que respeita ao coronavírus, enquanto elemento crucial da agenda mediática, existe uma tendência geral para se considerar fácil a obtenção de informação.
Foram registadas, no entanto, algumas dificuldades, entre as quais o desconhecimento pormenorizado das fontes, dos interlocutores, e das dificuldades técnicas.
São, ainda, enumeradas outras questões, como a falta de colaboração das entidades de saúde locais e o condicionamento da informação, entre outras.
No que respeita à partilha da informação recolhida com outras publicações, quase metade dos inquiridos mostrou-se disponível apara colaborar, de forma a obter publicidade ou patrocínios, numa altura em que a obtenção de receitas se tornou num processo ainda mais complexo.
Leia o relatório original em Obercom
Os jornalistas devem manter-se fiéis aos valores de ética e deontologia, reconhecendo a importância do seu trabalho para a vida democrática, e lutando para melhorar as condições de trabalho no sector mediático, considerou Miguel Ormaetxea num texto publicado no “site” Media-Tics.
Conforme apontou Ormaetxea, o jornalismo em Espanha está a enfrentar um período difícil, uma vez que, de forma a conseguirem emprego, os profissionais dos “media” aceitam escrever peças de pouco interesse, limitando-se a partilhar informações superficiais “ad nauseam”.
Além disso, continuou o autor, os profissionais espanhóis parecem ir todos atrás das mesmas histórias, resultando em bancas de jornais repletas de “manchetes” semelhantes e, por vezes, contraditórias.
Perante este cenário, Ormaetxea pede aos jornalistas que contrariem o “status quo”, deixando de sucumbir às vontades de grandes empresários de “media”, que “só sabem demitir, cortar salários e despesas”.
Até porque, de acordo com o articulista, a sobrevivência do jornalismo depende do investimento em “ qualidade, em inovação, em novas tecnologias, e em talento''.
Neste sentido, Ormaetxea considera essencial que os jornalistas deixem, também, de aceitar as exigências do governo, que promovem conferências de imprensa sem a possibilidade de intervenção dos repórteres, o que representa um ataque à liberdade de imprensa.
Da mesma forma, o autor recorda que os profissionais dos “media” devem parar de arriscar a sua vida “em troca de uns tostões”, e de “peças mal amanhadas”.
A instabilidade política e social na Venezuela levou muitos jornalistas a radicaram-se em países vizinhos, como forma de garantir a sua segurança e subsistência financeira.
Foi esse o caso de Pierina Sora, uma jornalista de Caracas que, em 2018, se mudou para o Peru. No entanto, esta profissional continua a informar os cidadãos venezuelanos, lutando pela liberdade de imprensa, conforme explicou em entrevista ao “Observatório da Imprensa”, com o qual o CPI mantém um acordo de parceria.
De acordo com Sora, a Venezuela está, de momento, a “atravessar uma complexa crise humanitária”, que levou muitos outros cidadãos a seguirem o seu exemplo, e a mudarem-se para o Peru.
Foi perante este cenário que Sora decidiu criar o projecto “Cápsula Migrante”, um “site” lançado em Maio de 2020, no contexto da crise pandémica, com o objectivo de apoiar “a comunidade migrante”.
Este projecto serve, também, como alternativa aos cidadãos que continuam na Venezuela, e que têm dificuldade em aceder a jornalismo de qualidade, devido às restrições impostas pelo governo.
Tal como explicou Sora, as dificuldades na Venezuela verificam-se tanto a nível de ataques físicos aos colaboradores dos “media”, como na restrição do acesso ao papel para imprimir jornais, e, ainda, no bloqueio da internet.
Assim, o “Cápsula Migrante”, juntamente com outros projectos de jornalismo local e hiperlocal, tem tentado “dedicar-se às comunidades”, dando-lhes poder através da “informação de qualidade”.
Os ciberataques passaram a fazer parte da paisagem mediática portuguesa. Depois do Grupo Impresa ter sido seriamente afectado, juntamente com a Cofina, embora esta em menor grau de exposição, chegou a vez do Grupo Trust in News, que detém o antigo portfólio de revistas de Balsemão, como é o caso do semanário “Visão”.
Outras empresas foram igualmente visadas, em maior ou menor escala, desde a multinacional Vodafone aos laboratórios Germano de Sousa.
Não cabe neste espaço qualquer comentário especializado a tal respeito, mas não nos isentamos de manifestar uma profunda preocupação relativamente à continuidade - e aparente impunidade - destes actos ilegais, que estão a pôr a nu as vulnerabilidades dos sistemas e redes, tanto públicos como privados.
Recorde-se que este site do Clube Português de Imprensa já foi alvo, também, de intrusões pontuais que bloquearam a sua actualização regular, o que voltou a acontecer, embora de uma forma indirecta, como consequência da inoperacionalidade do operador de telecomunicações atingido.
Oxalá estes ataques de “hackers”, já com um carácter mais “profissional”, tenha contribuído para alertar os especialistas e as autoridades competentes em cibersegurança no sentido de adoptarem as medidas de protecção que se impõem.
As fragilidades ficaram bem à vista.