A verdadeira crise no jornalismo americano “não é tecnológica, mas geográfica”. Os media, nos EUA, foram durante muito tempo locais, “frequentemente empregando repórteres e editores nas suas próprias comunidades e trazendo à luz vozes que reflectem a composição da sua audiência de leitores”. O que tem estado a acontecer é que as consequências, tanto da revolução digital como da crispação política, são mais pesadas para o jornalismo local, que está a encolher. A reflexão é da jornalista Kathleen McLaughlin, que começou a carreira num jornal local em Missoula, no Estado de Montana.
Os Estados Unidos têm 1.300 jornais, mas só três ou quatro deles são de âmbito nacional - diz Tom Rosenthiel, que dirigiu durante 16 anos o Projecto para a Excelência no Jornalismo, no Pew Research Center. E o texto prossegue:
“Temos 600 estações locais de televisão e seis redes a nível nacional. A nossa estrutura noticiosa está assente, em primeiro lugar, a nível local e regional, mas essa dinâmica está em mudança, em grande medida graças às redes sociais. De repente, a política presidencial prevaleceu sobre [trumped, no original] a local e estadual - algo que eu nunca tinha visto no meu Estado de origem.”
Segundo o trabalho de Kathleen McLaughlin, que aqui citamos:
“Os jornais locais e regionais, nos EUA, sofreram uma sangria de dinheiro, recursos humanos e leitores, e neste processo perderam muita da sua autoridade como vigilantes e fontes de influência. A seguir à eleição presidencial mais divisionista de memória recente, e no meio de muitos discursos angustiados sobre o estado do jornalismo, de certo modo olhámos menos para o que aconteceu aos media locais, o sítio onde a maioria dos americanos costumava ir buscar o essencial da sua informação. O suporte do jornalismo americano, um baluarte fundamental no nosso aparentemente delicado sistema, está a desmoronar-se.”
“No seu lugar, ficámos com um vazio que foi facilmente preenchido, durante a campanha presidencial e até hoje, pela retórica e palhaçadas bombásticas, frequentemente racistas e sexistas, de estilo reality-TV, de Donald Trump.” (...)
A consequência, como diz adiante, é que “os jornais ficaram mais pequenos e o seu conteúdo mais limitado, menos diferenciado; os jornalistas mais velhos, que conhecem os assuntos às vezes melhor do que aqueles sobre quem vão escrever, foram postos de lado, dando lugar a repórteres mal pagos que sabem usar o Twitter e o Instagram, mas a quem faltam as bases na história e na investigação.” (...)
Diz ainda a autora:
“A situação é bem adequada a políticos que não querem responder a questões difíceis vindas do público, ou do seu intermediário, a Imprensa. (...) Os funcionários eleitos, principalmente aqueles que usam as redes sociais, sentem-se mais confortáveis enviando a sua mensagem directamente ao público, pelo Facebook ou Twitter, do que confiando nos repórteres.” (...)
O artigo original de Kathleen McLaughlin, na íntegra, em The Guardian, a que pertence também a imagem utilizada
O mês de Maio tem sido negro para os jornalistas, com o assassinato de quatro mulheres jornalistas em apenas sete dias.
Conforme apontou o “Guardian”, dois dos homicídios ocorreram no México, um dos países mais perigosos para o exercício jornalístico. As vítimas foram Yesenia Mollinedo Falconi e Sheila Johana García Olivera, do “site” “El Veraz”.
Semanas antes da sua morte, Yesenia Mollinedo Falconi, havia recebido ameaças de morte, na sequência das suas investigações sobre crime e corrupção. Ainda assim, aquela jornalista estava confiante de que não corria perigo.
Dois dias após a morte das profissionais mexicanas, foi noticiada outra tragédia: o assassinato de Shireen Abu Akleh, uma correspondente da Al Jazeera, que acompanhava o conflito israelo-árabe há vários anos.
O Alto Comissariado para os Direitos Humanos da ONU mostrou-se “chocado” com a morte deste profissional e exigiu, entretanto, uma “investigação independente e transparente” sobre o sucedido.
Também a directora-geral da Unesco, Audrey Azoulay, se juntou no apelo a uma “investigação completa” à morte da jornalista.
“O assassinato de uma jornalista claramente identificada, numa zona de conflito, é uma violação do direito internacional“, disse Azoulay em comunicado, pedindo uma investigação para levar “os responsáveis à justiça”.
No dia a seguir, ficou conhecido o homicídio da jornalista colombiana Francisca Sandoval, morta durante a cobertura noticiosa de uma manifestação.
Na Polónia, várias empresas mediáticas começaram a lançar produtos noticiosos em ucraniano, como forma de responder às necessidades dos três milhões de refugiados que chegaram ao país desde o início da guerra.
Conforme apontou o “Nieman Lab”, a Agência Noticiosa Polaca (Polska Agencja Prasowa, ou PAP) foi uma das primeiras organizações a partilhar artigos em ucraniano, graças a uma equipa de cinco jornalistas, que têm vindo a dedicar-se à tradução e produção de conteúdos.
Este serviço em ucraniano foi criado em apenas uma semana, e publica artigos diários sobre a invasão da Ucrânia.
“Esta guerra mudou tudo”, disse Jaros?aw Junko, coordenador dos serviços ucraniano e russo daquela agência noticiosa. “Todos os ‘sites’ informativos polacos de renome começaram a oferecer produtos em ucraniano. Esta é uma mudança importante, e mostra que a Polónia está a respeitar os ‘vizinhos’ que chegam ao país”.
Agora, a PAP quer expandir a editoria ucraniana, passando a incluir conteúdos sobre apoio legal, e ajuda económica para refugiados.
Outra das publicações que apostou em conteúdos ucranianos foi a “Onet” que, agora, partilha dez artigos diários sobre o conflito e, ainda, sobre a adaptação à vida na Polónia.
“Fazemos o nosso melhor para sermos um guia sobre a vida neste país”, explicou Kamil Turecki, coordenador da “Onet”.
Também o Grupo RMF decidiu ajudar esta causa, lançando uma nova estação de rádio em ucraniano, com frequências nas cidades fronteiriças de Przemysl e Hrubieszow.
Os ciberataques passaram a fazer parte da paisagem mediática portuguesa. Depois do Grupo Impresa ter sido seriamente afectado, juntamente com a Cofina, embora esta em menor grau de exposição, chegou a vez do Grupo Trust in News, que detém o antigo portfólio de revistas de Balsemão, como é o caso do semanário “Visão”.
Outras empresas foram igualmente visadas, em maior ou menor escala, desde a multinacional Vodafone aos laboratórios Germano de Sousa.
Não cabe neste espaço qualquer comentário especializado a tal respeito, mas não nos isentamos de manifestar uma profunda preocupação relativamente à continuidade - e aparente impunidade - destes actos ilegais, que estão a pôr a nu as vulnerabilidades dos sistemas e redes, tanto públicos como privados.
Recorde-se que este site do Clube Português de Imprensa já foi alvo, também, de intrusões pontuais que bloquearam a sua actualização regular, o que voltou a acontecer, embora de uma forma indirecta, como consequência da inoperacionalidade do operador de telecomunicações atingido.
Oxalá estes ataques de “hackers”, já com um carácter mais “profissional”, tenha contribuído para alertar os especialistas e as autoridades competentes em cibersegurança no sentido de adoptarem as medidas de protecção que se impõem.
As fragilidades ficaram bem à vista.