Estamos a fazer auto-crítica, ou auto-flagelação, ou auto-justificação? A surpresa e o escândalo perante resultados que não confirmaram as previsões deixaram em crise a auto-imagem de muitos dos seus intérpretes: os jornalistas em primeiro lugar, os especialistas em sondagens, os comentadores e os politólogos, e os próprios políticos, naturalmente. Esses resultados mais visíveis são o referendo do Brexit, a eleição de Donald Trump e, em França, a qualificação de Fillon nas “primárias” da direita. Matéria suficiente para uma crítica da auto-crítica, tema de uma reflexão de fundo assinada por Julien Salingue, co-animador do Observatório dos Media Acrimed.
Este ensaio, que constitui o texto de introdução do dossier “Auto-crítica mediática”, publicado na revista Médiacritique(s), faz o percurso penoso do caminho seguido por aquilo que o autor descreve como “uma sequência intensiva de auto-crítica” ou, pelo menos, “de aparente auto-crítica dos media feita dentro dos media”. O retrato que faz é abundante em exemplos citados e pouco brando na ironia.
Sobre as sondagens, os exemplos recolhidos falam de uma Imprensa “obnubilada pela pretensão absurda de prever o futuro” e das mesmas sondagens como uma “droga dura”, de que seriam dependentes, em primeiro lugar, os políticos e os jornalistas. Mas também são mencionados os que as defendem, desde que “afinem permanentemente os seus dispositivos de inquérito” face à natureza “cada vez mais flutuante e volátil” do eleitorado.
Outro tema é o da “desconexão” entre a Imprensa e as classes populares. É citado um texto do New York Times, em que Nicholas Kristof admite que “nós, os media tradicionais, estamos desconectados da classe trabalhadora americana; passamos demasiado tempo a discutir com senadores, e não o suficiente a ir ao encontro dos metalúrgicos no desemprego”.
Deste ponto chega-se depressa a um terreno em que os próprios jornalistas se batem em defesa do seu ofício. É citado o editorialista Thomas Legrand, que rejeita a crítica de que é “a Imprensa que não compreende o povo, só porque se empenha em desconstruir o mundo simplista e binário proposto pelos demagogos”.
Mas outro texto, publicado no Charlie Hebdo, responde:
“Não é que os jornalistas não tenham feito o seu trabalho, é que esse trabalho não conseguiu convencer senão os que já estavam convencidos. A última notícia má é que não são os jornalistas que estão cortados do mundo, mas o mundo que se cortou dos jornalistas.”
Neste ponto, Julien Salingue ironiza: “Os jornalistas não teriam, então, o povo que merecem!”...
O seu ensaio recolhe outras citações, que põem em causa outros meios de salvação, como o “regresso ao terreno”, a verificação de factos, a recusa das “bolhas mediáticas” das redes sociais, chegando a um artigo que contesta: “Não há bolha nenhuma. E também não há imparcialidade jornalística, que ficaria acima da subjectividade das redes sociais.” (...)
A crítica chega então à “editocracia” dos editorialistas, “persuadidos de serem os iluminadores do povo”, e à auto-justificação dos media tradicionais.
Julien Salingue propõe, finalmente, uma crítica mais "radical", como a que se pratica no Acrimed, e que avalie as raízes dos problemas: “a overdose de sondagens e sondologia, o primado do jornalismo de comentário em detrimento do jornalismo de investigação, a ausência flagrante de pluralismo com uma ‘editocracia’ que partilha entre si o essencial das emissões ou das páginas de ‘debate’, as lógicas de concorrência ou de medição de audiências que favorecem a produção de uma informação low-cost e a sua ‘circulação circular’”...
O texto original, na íntegra, no Acrimed
Agora que a digitalização dos “media” está a normalizar-se, é essencial que os profissionais repensem as suas rotinas, normas e valores, considerou Carlos Castilho num artigo publicado, originalmente, na plataforma “Medium” e reproduzido no “Observatório da Imprensa”, associação com a qual o CPI mantém um acordo de parceria.
De acordo com Castilho, a introdução da tecnologia no sector mediático veio desvalorizar os três principais elementos económicos do modelo tradicional de negócio: escassez de informações; alto custo dos equipamentos (gráficas, distribuição e dispositivos audiovisuais) e a comercialização das notícias.
Ora, com a chegada da internet, a notícia passou a ter um custo muito reduzido, já que é fácil de redigir e de partilhar. Desta forma, Castilho considera essencial que todos os “patrões dos ‘media’” repensem o seu “modus operandi”, que deve passar, sobretudo, pela diferenciação.
Isto porque, devido ao fácil acesso a dispositivos electrónicos, os cidadãos passaram a ter uma participação activa na produção noticiosa.
Por isso -- considerou Castilho -- os “media” têm que se destacar. Para tal, devem contextualizar os factos, explicá-los dentro do panorama histórico, e captar imagens de alta qualidade.
Além disso, os jornalistas devem ter em conta as suas novas responsabilidades, para garantir a credibilidade do trabalho que produzem.
Com a pandemia, o modelo de negócio tradicional dos “media” foi descredibilizado, com muitos especialistas e investidores a considerarem que este se tornou obsoleto e insustentável.
Assim, numa altura em que muitos jornais fecharam portas, as organizações noticiosas sem fins lucrativos, com foco no jornalismo local, começaram a prosperar, notou Rick Edmonds num texto publicado no “site” no instituto Poynter.
Para perceber melhor este fenómeno, Edmonds esteve à conversa com os responsáveis de cinco projectos: ProPublica, Report for America, American Journalism Project, Local Media Association — Project Accelerate e com a Knight Foundation. Estas iniciativas incluem organizações noticiosas e filantrópicas.
Com estas entrevistas Edmonds conseguiu perceber o “modus operandi” dos projectos e identificar algumas tendências para o futuro dos “media” de âmbito comunitário.
A ProPublica, por exemplo, foca-se em colmatar os principais problemas da imprensa. Assim, este projecto tem-se conseguido destacar pelas reportagens de âmbito social, de alta qualidade, e pela investigação local. Com isto, entre 2020 e 2021, a ProPublica registou um crescimento de 60% em investimentos de terceiros.
A Report for America, por sua vez, tem-se dedicado a recrutar jovens jornalistas para locais considerados “desertos noticiosos”. O projecto começou, em 2017, com uma aposta modesta, ao destacar 14 profissionais para zonas sem cobertura mediática. Agora, está a fazer planos para apoiar 200 jornais e 300 jornalistas.
Ao completar 40 anos de actividade ininterrupta o CPI – Clube Português de Imprensa tem um histórico de que se orgulha. Foi a 17 de dezembro de 1980 que um grupo de entusiastas quis dar forma a um projecto inédito no associativismo do sector.
Não foi fácil pô-lo de pé, e muito menos foi cómodo mantê-lo até aos nossos dias, não obstante a cultura adversarial que prevalece neste País, sempre que surge algo de novo que escapa às modas em voga ou ao politicamente correcto.
O Clube cresceu, foi considerado de interesse público; inovou ao instituir os Prémios de Jornalismo, atribuídos durante mais de duas décadas; promoveu vários ciclos de jantares-debate, pelos quais passaram algumas das figuras gradas da vida nacional; editou a revista Cadernos de Imprensa; teve programas de debate, em formatos originais, na RTP; desenvolveu parcerias com o CNC- Centro Nacional de Cultura, Grémio Literário, e Lusa, além de outras, com associações congéneres estrangeiras prestigiadas, como a APM – Asociacion de la Prensa de Madrid e Observatório de Imprensa do Brasil.
A convite do CNC, o Clube juntou-se, ainda, à Europa Nostra para lançar, conjuntamente, o Prémio Europeu Helena Vaz da Silva para a Divulgação do Património Cultural, instituído pela primeira vez em 2013, em, homenagem à jornalista, que respirava Cultura, cabendo-lhe o mérito de relançar o Centro e dinamizá-lo com uma energia criativa bem testemunhada por quem a acompanhou de perto.
Mais recentemente, o Clube lançou os Prémios de Jornalismo da Lusofonia, em parceria com o jornal A Tribuna de Macau e a Fundação Jorge Álvares, procurando preencher um vazio que há muito era notado.
Uma efeméride “redonda” como esta que celebramos é sempre pretexto para um balanço. A persistência teve as suas recompensas, embora, hoje, os jornalistas estejam mais preocupados com a sua subsistência num mercado de trabalho precário, do que em participarem activamente no associativismo do sector.
Sabemos que esta realidade não afecta apenas o CPI, mas a generalidade das associações, no quadro específico em que nos inserimos. Seriam razões suficientes para nos sentarmos todos à mesa, reunindo esforços para preparar o futuro.
Com este aniversário do CPI fica feito o convite.
A Direcção