O segundo problema a respeito das notícias falsas, além da sua efectiva existência, é a dificuldade crescente em identificar o que o termo significa exactamente. Divulgado por muitos intervenientes em diversos episódios de polémica pública, acabou por adquirir demasiados sentidos, tornando-se ele próprio arma de arremesso. O jornalista David Uberti, da equipa da Columbia Journalism Review, propõe às redacções uma estratégia de resposta que se concentre mais em “combater o mau jornalismo” e menos nas fakenews.
A sua reflexão começa pela necessidade de descrições mais precisas do problema que temos: chamar-lhe mentiras, propaganda, engano. E cita Margaret Sullivan, do The Washington Post, quando afirmou:
“O rótulo foi cooptado para significar qualquer número de coisas completamente diferentes: ou ‘conversa da treta’ liberal; ou opinião de centro-esquerda; ou simplesmente qualquer coisa no espaço das notícias que o observador não gosta de ouvir.”
Também os sites conservadores o adoptaram, para designar, precisamente, a chamada mainstream media - o que significa os grandes jornais de referência que o denunciam e combatem. Pelo que David Uberti sugere que, “embora a Imprensa deva, realmente definir esta variante específica de lixo digital de modo mais claro, o debate, no seu conjunto, está a desenvolver-se em terreno naturalmente desfavorável. Há muitos actores a jogar sem regras”. (...)
A sua opinião é que, em vez de ceder ao “pânico das falsas notícias”, o jornalismo responsável se debruce sobre as suas próprias falhas e situações em que também deu falsas notícias. E cita alguns exemplos, incluindo jornais como The Washington Post e o New York Post.
“A desconfiança que a Direita tem em relação à mainstream media já vem de há décadas, enquanto a Esquerda, com jornalismo terrível sobre armas de destruição maciça de memória não muito distante, avalia alguma da recente reportagem sobre a Rússia como sendo de um chauvinismo semelhante. E toda a gente no meio é deixada a divagar sobre se a Imprensa está a ser injusta quando apoia ou quando ataca o Presidente-eleito, enquanto os jornais regionais, que melhor conhecem as comunidades, continuam a atrofiar-se.”
O seu conselho, a concluir, é:
“Se tanto as falsas notícias como as más reportagens ameaçam, ambas, a exactidão da informação que chega ao público, os jornalistas só têm poder real de alterar uma das duas.”
Na década de 1980, um grupo de colaboradores dos “media” brasileiros fez aprovar uma lei para a regionalização da produção jornalística, educativa e cultural, recordou Chico Sant’Anna num artigo publicado no “Observatório da Imprensa”, associação com a qual o CPI mantém um acordo de parceria.
Contudo -- segundo recordou o autor -- este documento nunca foi aplicado. Assim, as grandes operadoras brasileiras passaram a produzir uma “grelha” de conteúdos uniformes, focada nos grandes polos económicos do país, e omitindo a diversidade cultural dos diversos Estados.
Agora, a realidade pode estar prestes a mudar, por iniciativa do Conselho Administrativo de Defesa Económica – Cade.
O Cade -- órgão vinculado ao ministério da Justiça -- realizou, recentemente, uma análise às “condutas anticompetitivas" do sector mediático.
A conclusão foi de que a estruturação dos “media” em redes nacionais é algo “negativo”, porque “limita a variedade de conteúdo, sendo transmitida menos programação do que existiria, se cada geradora fosse directamente responsável pelos [seus] produtos audiovisuais”.
Além disso, uma maior pluralidade na produção de conteúdos geraria mais emprego, faria as receitas da indústria cultural circularem e abriria oportunidades para profissionais que não migraram para os polos de produção.
A regionalização da produção cultural e mediática facilitaria, igualmente, a representação de todos os cidadãos brasileiros, promovendo, ainda, talentos de todos os cantos do país.
Ao completar 40 anos de actividade ininterrupta o CPI – Clube Português de Imprensa tem um histórico de que se orgulha. Foi a 17 de dezembro de 1980 que um grupo de entusiastas quis dar forma a um projecto inédito no associativismo do sector.
Não foi fácil pô-lo de pé, e muito menos foi cómodo mantê-lo até aos nossos dias, não obstante a cultura adversarial que prevalece neste País, sempre que surge algo de novo que escapa às modas em voga ou ao politicamente correcto.
O Clube cresceu, foi considerado de interesse público; inovou ao instituir os Prémios de Jornalismo, atribuídos durante mais de duas décadas; promoveu vários ciclos de jantares-debate, pelos quais passaram algumas das figuras gradas da vida nacional; editou a revista Cadernos de Imprensa; teve programas de debate, em formatos originais, na RTP; desenvolveu parcerias com o CNC- Centro Nacional de Cultura, Grémio Literário, e Lusa, além de outras, com associações congéneres estrangeiras prestigiadas, como a APM – Asociacion de la Prensa de Madrid e Observatório de Imprensa do Brasil.
A convite do CNC, o Clube juntou-se, ainda, à Europa Nostra para lançar, conjuntamente, o Prémio Europeu Helena Vaz da Silva para a Divulgação do Património Cultural, instituído pela primeira vez em 2013, em, homenagem à jornalista, que respirava Cultura, cabendo-lhe o mérito de relançar o Centro e dinamizá-lo com uma energia criativa bem testemunhada por quem a acompanhou de perto.
Mais recentemente, o Clube lançou os Prémios de Jornalismo da Lusofonia, em parceria com o jornal A Tribuna de Macau e a Fundação Jorge Álvares, procurando preencher um vazio que há muito era notado.
Uma efeméride “redonda” como esta que celebramos é sempre pretexto para um balanço. A persistência teve as suas recompensas, embora, hoje, os jornalistas estejam mais preocupados com a sua subsistência num mercado de trabalho precário, do que em participarem activamente no associativismo do sector.
Sabemos que esta realidade não afecta apenas o CPI, mas a generalidade das associações, no quadro específico em que nos inserimos. Seriam razões suficientes para nos sentarmos todos à mesa, reunindo esforços para preparar o futuro.
Com este aniversário do CPI fica feito o convite.
A Direcção